Receba Newsletter

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Bar do IAB

O Bar do IAB é um projeto musical, cultural e gastronômico que dá espaço para novos artistas e resgata a memória do lendário Bar do IAB, espaço que reunia nos anos 70 e 80 diversos arquitetos, políticos, artistas, músicos, escritores e muitos outros clientes ilustres da cidade. O evento tem entrada franca e acontece uma vez por mês no Solar do IAB.

Conheça um pouco sobre a história do Bar do IAB:

 

MUITO MAIS QUE UM BAR

Por Luiz Gonzaga Lopez

O Bar do Instituto dos Arquitetos do Brasil – Seção Rio Grande do Sul ou simplesmente o Bar do IAB, foi muito mais que um bar, em suas mais diversas formatos e períodos, foi primeiramente um ponto de encontro de arquitetos, e posteriormente um centro que emanava cultura e ideias, que presenciou o surgimento de grandes artistas e de espetáculos. Para citar dois exemplos, o espetáculo que teve a duração de três décadas, Tangos & Tragédias, encarnado pelos músicos Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky, como Kraunus Sang e o maestro Pletskaya, e todo o imaginário do anárquico país da Sbórnia, teve a sua gênese no local que ficava no térreo e subsolo do prédio do IAB, localizada na rua Annes Dias, 166, como atesta Hique, ainda lembrando do parceiro Nico, morto em fevereiro de 2014, naquele mágico 1984: “Foi nos corredores do Bar do IAB, que finalmente o Nico aceitou a minha proposta de que seriamos dois personagens. Eu já havia escolhido ser Kraunus Sang nos ensaios. Então ele aceitou ser o Pletskaya, isso minutos antes de entrarmos em cena. Foi a nossa primeira apresentação e foi muito boa. O dono (Dirceu Russi) falou: ‘voltaram os grandes espetáculos’ e nós rimos, porque pensávamos que o nosso era um bem pequeninho. Logo o Juarez Fonseca escreveu uma nota elogiando o Tangos e nós acabamos pensando será que é sério? Estávamos nos divertindo muito e ele perdurou por três décadas”, lembra Hique.

 

Apesar de ser frequentado desde o final dos anos 1960, o bar passou a ser reconhecido como uma referência cultural, a partir de 1º de dezembro de 1981, quando o Bar Espaço IAB foi inaugurado no andar térreo do Edifício do IAB, sob administração de Dirceu Russi. O espaço passou a ser o bar realmente underground de Porto Alegre e acabava sendo literalmente, pois tinha um subsolo. Arte, arquitetura, música, teatro e política estavam todas sob o mesmo teto. Conforme o arquiteto e ex-presidente do IAB-RS em 2006/07, Iran Rosa, era um local de convergência, no qual foi possível ver as primeiras apresentações do grupo de teatro de bonecos 100 Modos e também nomes como Léo Ferlauto, Nei Lisboa, Nana Caymmi, Rosinha de Valença, Geraldo Flach e Cida Moreira. O bar contava ainda com uma livraria administrada pelo designer Antonio Carlos Castro. A galeria de arte do Espaço era administrada por Direu e Antônio. De acordo com o arquiteto e urbanista Rogério Malinsky, nesta microgaleria de arte vários dos principais artistas da cidade expuseram seus trabalhos. “Lembro especialmente de uma exposição de caricaturas, que tinha inclusive obras minhas, além do Santiago, Edgar Vasquez, Cláudio Fischer e do Edgar Timm, entre outros”, recorda.

 

Dirceu Russi que administrou o bar e deu a ele o vigor cultural lembra que de outros nomes que fizeram shows ou fizeram participações especiais, canjas pelo pequeno palco do bar da intelectualidade gaúcha naquela primeira metade da década de 1980. “O Chico Buarque, a Adriana Calcanhotto, o Celso Loureiro Chaves e também fizemos sessões de autógrafos do Millôr Fernandes e do Mario Quintana”, conta. Era um reduto daqueles que faziam e apreciavam a cultura.

Para o músico e escritor Cláudio Levitan, que também participou do ponto alto do bar nos anos 80, “o bar era um ponto de encontro de um parte importante dos atores culturais da cidade. Gente que comungava de opiniões semelhantes sobre a importância da retomada da democracia no Brasil e que dividiam manifestações artísticas provocativas e corajosas num momento em que tudo era proibido, até reunir gente era mal visto. Além dos encontros em volta de uma mesa para debater-se política, filosofia e outras questões existenciais, promovia show, debates, apresentações artísticas de toda ordem, até exposições. Foi um lugar especial. Um lugar que nos ajudou a sobreviver, ao permitir que o bom humor e esperança na utopia redimensionasse o poder da repressão militar e política sobre nossos destinos”, afirma.

SÍNTESE DOS MOVIMENTOS POLÍTICOS E CULTURAIS
Dirceu lembra que o local passou a sintetizar os sentimentos e movimentos políticos e culturais da cidade. “Para exemplificar, um dos nossos primeiros grandes eventos, em 1982, foi uma apresentação do grupo de teatro de bonecos 100 Modos e do músico Raul Ellwanger, que havia sido exilado político, junto com uma exposição de fotografias do Luiz Carlos Felizardo. Conseguimos então juntar o público do teatro, do Centro de Artes Dramáticas da Ufrgs, músicos, militantes políticos, escritores, psicanalistas, advogados e é claro os arquitetos”, ressalta.

Entre os melhores momentos do bar, Russi lembra dos shows em formato pocket como a Suíte de Claude Bolling, com o Celso Loureiro Chaves e o Ayres Potthoff; o de Cida Moreira;, a apresentação da Nana Caymmi e da Rosinha Valença ou o show “Só Blues”, de Nei Lisboa e Augustinho Licks, com iluminação feita somente com fósforos”, conta Russi.

Com a fala nos anos 1980, mas a memória sendo vasculhada até o final dos anos 1960, Rogério Malinsky lembra do seu momento de agitador cultural naquela época, quando organizou um evento que chamou de “Estreia Selvagem” do Bar Espaço IAB, no edifício da Annes Dias. “Eu me formei em 1967 e sempre fui agitado. Fiz algumas disciplinas no Centro de Artes Dramáticas da Ufrgs, aulas com Gerd Bornheim e Ruggero Jacoby e aí surgiu a ideia de fazermos um happening de abertura do Espaço IAB, que já possuía uma galeria de arte e seria o primeiro bar do local. Fizemos um túnel de madeirite, forramos com fotos de pernas de mulheres, recortadas de revistas. Eu já tinha uma ligação com os Bambas da Orgia e o Pernambuco (que depois voltou a participar do bar nos anos 1970 e 1980) foi nesta Estreia Selvagem com três mulatas. Foi uma festa até quase o amanhecer”, lembra Malinsky.

ENCONTRO HISTÓRICO ENTRE MILLÔR E LFV
Malinsky lembra que nos anos 1970 o Bar funcionou, mas de forma mais discreta, com espaço para um carreteiro, um bate-papo e também para as famosas caipirinhas dos sábados pela manhã. O cartunista Neltair Rebes Abreu, o Santiago, lembra que em 1976, a Galeria e Bar do Espaço IAB foi palco de um encontro histórico entre Millôr Fernandes e Luis Fernando Verissimo, numa exposição do Caulos. “Foi o primeiro encontro entre estes dois gênios do humor. O Millôr e o Verissimo ainda não se conheciam. O Verissimo já era tímido e estava mais intimidado pela fama do Millôr, que por sua vez também não estava para grandes conversas. Foi um dos grandes momentos daquele espaço”, lembra Santiago.

Para o cartunista, autor de tantos personagens engraçados como o Macanudo Taurino, o Bar do IAB foi o ponto de encontro dos intelectuais, arquitetos, artistas, jornalistas e também do surgimento de grandes ideias, salientando o surgimento do Tangos & Tragédias e também a Suíte de Claude Bolling, entre outros shows e eventos do local. “Lembro que eu trabalhava na Folha da Tarde e a gente ia pelo menos três vezes por semana no bar. Tinha muita gente boa, o Roberto Silva, artista gráfico; o Juska, o Edgar Vasquez, que ia muito mais do que eu; o pessoal do teatro Julio Zanotta, Oscar Simch, Zé Victor Castiel, que fazia show particular de piadas e tipos para a gente”, ressalta.

Santiago observa que outros bares do final dos anos 60 e dos 70 tiveram a característica de juntar tanta gente de ideias, como o Viscaia, na Protásio Alves, e o Rembrandt, na 24 de Outubro. “Mas nenhum bar foi tão aglutinador, juntou tanta gente boa e tantos eventos como o Bar do IAB. Eu me casei em 1978 com a Olga e continuei indo com ela ao bar. Chegamos a levar o nosso filho pequeno, o Bernardo, que ficava no Moisés (uma cestinha para bebês)”, conta.

Iran Rosa lembra que já na efervescência dos anos 1980 era importante frequentar o Bar do IAB. “Eu era um prego, um estudante de 2º Grau e ia lá sozinho. Os meus amigos queriam ir para outros bares e danceterias. Lembro a primeira vez que vi o Léo Ferlauto sentar naquele piano e tocar. Era assim que eu queria ser, com aquela atitude. O Bar do IAB sempre me remete ao Leo. Ele sempre representou algo visceral, ousado, criativo, galanteador”, comenta o arquiteto lembrando de um show de Natal, no dia 23 de dezembro de 1983, em que Leo Ferlauto tocou com a Banda Delírio. Talvez por influência do músico, Iran teve banda logo depois e seguiu a carreira da arquitetura, sendo vice-presidente do IAB em 1998/99, na gestão de Francisco Danilo Landó e chegando à presidência em 2006/07.

UM FENÔMENO
Para Iran, o bar foi um fenômeno a ser analisado mais detidamente. “Foi um local de convergência de todos os artistas. Além dos arquitetos, juntava o pessoal do teatro, da esquerda. Era um ambiente cultural sem igual, onde a vanguarda se encontrava. Quando é que em outros lugares a gente poderia se deparar com Chico Buarque, João Bosco, Nana Caymmi, Hermes Aquino”, constata Iran. Outra lembrança do ex-presidente do IAB-RS é que logo que foi aprovado o projeto do Solar do IAB na virada dos anos 1990 para os 2000, o espaço do Bar do IAB estava largado e foi cedido para os estudantes de Arquitetura, que fizeram daquele local o QG do Acampamento da Juventude do 1º Fórum Social Mundial. “O Landó era o presidente e liberou o espaço e eu fiquei como responsável. Estavam naquele grupo o Rafael Passos e o Fernandão. Aquele foi o último suspiro do Bar do IAB, mas sempre vanguardista”, rememora. Iran Rosa termina sua fala, lembrando que a volta do Bar do IAB possivelmente após a reforma do Solar seria a concretização de um movimento pela valorização do Centro Histórico de Porto Alegre. “Novamente o IAB poderá ter o protagonismo na vida cultural do Centro Histórico, se mantendo na vanguarda e salvaguardando esta região da decrepitude que parece estar tomando conta da nossa cidade.”

Voltando ao Bar e aos anos 1980, no ano de 1983, Claudio Levitan lembra de ter apresentado um show de música com o amigo Beto Meimes (bateria e percussão) chamado ARQUITETANDO UM SOM. “Um show especial para o lugar, pois misturava arquitetura, memória e música”. Ele lembra que a sua participação no Tangos & Tragédias em 1984 ainda era de fã. Como todo o público do Bar, ficamos impressionados com aqueles dois sbornianos que vieram dar em nossas praias trazendo histórias de um país, quase como o nosso, que sofreu uma hecatombe e perdeu sua bagagem cultural pelo caminho. Éramos nós! Naquele momento, me senti patriota deles dois e passei a acompanhá-los, como um bom patrício, rememorando coisas da nossa pátria, mesmo que fossem memórias só minhas! Foi um começo para mim também, quando vi que eles traziam junto com aquele humor e alegria, o retorno da nossa democracia”, analisa aquele momento, Levitan.

LACUNA NUNCA SUPRIDA
A lacuna deixada pelo fechamento do Bar do IAB no final dos anos 80 nunca mais foi suprida. “Perdeu-se um local onde as pessoas ousavam. Onde podia se pensar em criação sem limites, e onde se contava com um público sedento por este tipo de criação”, observa Hique Gomez. “Fecharam nele um pouco da nossa juventude”, pontua Cláudio Levitan. Ele salienta que a cidade e o seu Centro Histórico comportariam uma nova iniciativa nos moldes do Bar do IAB. “Abrir bares com esse perfil do antigo Bar do IAB é sempre uma grande ideia e uma boa coisa. Como saber se vai dar certo? Só fazendo. Um Bar (o Tutti) que foi fechado recentemente, parecia ser o herdeiro do Bar do IAB, pelo menos, dele faziam parte um dos grupos importantes do IAB, os cartunistas/humoristas da cidade. Daí a minha preocupação, que o poder municipal, atendendo a parcelas da cidade, vem impedindo que se crie um espaço histórico como aquele para a nossa cultura, feito pela nova geração. Para que isso aconteça, temos que repensar sobre o que se entende como democracia e liberdade de expressão, parece que ainda vivemos dentro de um dos resquícios da antiga ditadura: a repressão à expressão dos jovens sem que se entre num embate irracional e conflituoso. Conforme Levitan, esse tipo de repressão aos bares e à música ao vivo que o poder público vem fazendo, impede o convívio social da nova geração e que se crie condições para a evolução da cultura. É necessário que se tenha liberdade para se encontrar e se manifestar, sem que percamos o senso de civilidade, e para que a cultura se renove e respire os ares da nova geração”.

Para Levitan, o bar era um palco de muitas situações inusitadas. “Íamos para lá em busca de situações surpreendentes! Lembro somente de uma, a do show dos Irmãos Brothers. Eles fizeram o show como se fosse uma quermesse. Era engraçado e com ótimas músicas dos tempos do ronquenrroll. Era o Mutuca, o Chaminé, Léo Ferlauto e o Careca. Foi outro grande sucesso com música e muito bom humor. Tive a oportunidade de dirigi-los mais tarde, com um texto especialmente escrito para o grupo pelo Luis Fernando Verissimo e que estreamos em São Paulo!”

A literatura também aparece na memória de Levitan. “Tenho a lembrança, flashes da memória, de muitos lançamentos de livros, acho que a LPM gostava de lançar por lá, de apresentações superlotadas e de outras coisas. Gostaria de olhar uma lista desses eventos para que eles se encaixassem e recuperassem minha memória. Vivemos bastante naquele bar… talvez construímos nele muito da nossa arte de hoje! mas como precisar? se essa memória já se transformou em coisas palpáveis, em nova vida?”, aponta.

A MESA 15
A união entre o bar e a livraria, a famosa mesa 15 é a lembrança do casal Ignácio e Cristina Moreno, que inauguraram a Livraria do Arquiteto, no local no dia 12 de setembro de 1991, no exato dia dos cinco anos de existência da livraria, que já funcionava na Ufrgs. “Era um lugar de encontro. Quem tinha que fazer alguma coisa no Centro, marcava no IAB, na livraria ou no bar. No período em que ficamos lá foi assim, entre 1991 e 1994. Às quintas-feiras eram pontos de encontro, a livraria às vezes ficava aberta até as 5h da manhã para acompanhar o pique do bar. Havia pessoas que iam no bar, pegavam sua cerveja e pegavam um livro, aquele que elas estavam namorando um tempo e iam lê-lo naquele período que estavam ali”, recorda Ignácio. O dia da inauguração da Livraria foi uma grande festa com a presença de um sem número de arquitetos da cidade, confessa Cristina. O último suspiro da livraria dentro do Bar foi a utilização do mezanino para a fundação do Greenpeace em Porto Alegre. “A primeira reunião do Greenpeace em Porto Alegre foi no nosso apartamento. Utilizamos o mezanino para a sede do Greenpeace até 1995, quando eu fechei a livraria e o Greenpeace abriu um escritório na rua Felipe Camarão”, relata Ignácio Moreno.

O casal recorda prazerosamente daquele período no qual o bar era administrado por César e Mara. “Foram tantos os amigos, desde arquitetos a artistas, a maioria deles está no livro de presença da inauguração. São todos grandes amigos e clientes que aprendemos a admirar nesta convivência”, relatam Cristina e Ignácio, que começaram a Livraria do Arquiteto na Ufrgs, em 1986, após venderem livros de forma itinerante desde 1983 e terem facilitado a vida de arquitetos, que viajavam a São Paulo e ao exterior para trazer literatura específica, no que o arquiteto e urbanista Ivo Guilherme Nedeff definiu, de forma grata: “vocês são muito especiais, pois nos fizeram poupar o tempo das viagens para procurar os livros de arquitetura”. Em 31 de julho deste 2014, a Livraria do Arquiteto fechou suas portas na Ufrgs e na Uniritter.