O processo de financeirização da habitação atinge todas as cidades brasileiras, causando um impacto direto nos territórios urbanos em termos de acesso à terra, à moradia e o direito à cidade. O assunto foi abordado na palestra “Processos de financeirização e decrescimento populacional em contexto de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre”, promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Rio Grande do Sul (IAB-RS) dentro da programação Quartas no IAB. Com sala lotada, a atividade contou com a presença da professora da faculdade de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e co-presidente do IAB-RS, Clarice Oliveira; o professor de geografia da UFRGS e integrante do Observatório das Metrópoles, Mário Lahorgue; e a doutoranda do PROPUR/UFRGS e integrante do Observatório das Metrópoles, Nicole Almeida. A mediação foi realizada pela professora de sociologia da UFRGS e integrante do Observatório das Metrópoles, Vanessa Marx.
O planejamento urbano e as lutas sociais urbanas vêm enfrentando há tempos o processo de financeirização da habitação, que traz consigo a privatização dos espaços públicos. Ao mesmo tempo, dados do censo demográfico de 2022 mostram que as grandes cidades vêm perdendo população e aumentando o número de imóveis vagos sem garantir o acesso à moradia digna para uma parcela significativa de habitantes. Todos esses apontamentos estão inseridos em um cenário de revisão do Plano Diretor.
“Estramos vivendo um processo bastante preocupante dentro das cidades. A população diminuiu entre 2010 e 2022, conforme dados do censo. Por que isso pode acontecer? Uma das questões é a fecundidade da população, mas também com a dinâmica migratória e as questões que envolvem a violência. Temos, então, a diminuição da população e um aumento do número de imóveis”, explicou o professor de geografia Mário Lahorgue. Segundo ele, esse decrescimento populacional é mais observado em regiões centrais das cidades, onde são mais densamente ocupadas. E foram nessas regiões centrais onde a indústria imobiliária mais tem atuado. “Isso significa que apenas construir edifícios não garante uma densificação do ponto de vista de população, porque se ignora a dinâmica demográfica”, aponta.
A arquiteta e pesquisadora Nicole Almeida contextualizou o tema financeirização e o seu processo de introdução no Brasil. “Financeirização é a dominância de uma narrativa financeira do mercado através de práticas e estratégias que resultam na transformação da economia, das corporações, das famílias e dos Estados. Precisamos entender a abordagem que está sendo utilizada em cada lugar”, disse. Nicole pontua que há um grande número de imóveis que parecem se deslocar da realidade da cidade, e mais do que isso, das demandas reais das cidades. “Esses imóveis não foram construídos para atender as demandas da cidade, mas sim para responder aos interesses do mercado financeiro e imobiliário. Para uma empresa desse setor se consolidar ela precisa de um portfolio, ou seja, construir novos empreendimentos”, citou.
A co-presidente do IAB-RS, Clarice Oliveira, falou sobre as discussões atuais em torno da revisão do Plano Diretor de Porto Alegre. “O que já vem sendo utilizado no plano do Centro Histórico e do 4.º Distrito, aprovados em 2021 e 2022, que a gente chama de fatiamento do plano diretor, é o solo criado, utilizado para gerar caixa para o município investir em infraestrutura, onde esses imóveis estão sendo ou deverão ser construídos. Mas não é essa a ideia inicial do uso do solo criado, é para a produção habitacional e diminuição da desigualdade social”, observou.
O PDDUA de Porto Alegre não é um plano exatamente rígido, conforme a co-presidente explica, ele tem flexibilizações. O que acontece agora, e é possível observar através dos planos do 4.º Distrito e do Centro e o que vem sendo desenhado para a revisão do plano de Porto Alegre, “é que os projetos especiais não vão mais existir, porque tudo pode ser um projeto especial. Assim como tem casos, como da Melnick, tem se criado índices onde não existe, e vou dar um exemplo: o Cidade Nilo. Lá a PGM criou um mecanismo jurídico não urbanístico que é a transdução de índices, que nunca ouvimos falar. Na prefeitura, muita coisa está deixando de ser técnica do ponto de vista urbanístico e se tornando jurídico ou de criação de regras, como a transdução”, finaliza.