Ceniriani Vargas da Silva (Ni) (*)
Na noite do dia 17 de agosto, através de um vidro à prova de som, dezenas de famílias acompanharam os vereadores de Porto Alegre decidirem o futuro do território onde elas moram. As duas audiências públicas realizadas sobre o plano foram virtuais, impedindo a participação das comunidades, que mais uma vez não foram ouvidas. A grande maioria dos vereadores sequer esteve presencialmente para votar, inscreveu-se ou mostrou o rosto na tela virtual para se posicionar favoravelmente a este plano que estabelece regramentos urbanísticos específicos fora do debate do plano diretor, além de garantir uma série de descontos e isenções de impostos (IPTU e ITBI) e solo criado para os empreendedores que queiram explorar economicamente a região compreendida pelos bairros Floresta, Humaitá, Navegantes, São Geraldo e Vila Farrapos.
No Quarto Distrito há 19 comunidades em situação irregular, cerca de 2 mil famílias ameaçadas de despejo e remoção, convivendo com a precariedade de acesso à água, energia e saneamento, que temem pelo seu futuro com a aprovação deste plano. Para buscar amenizar um pouco os impactos do Plano na vida de quem mora na região e teme pela remoção, foram construídas algumas emendas pela oposição conjuntamente com membros do Fórum Popular do 4D, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia e do Instituto de Arquitetos do Brasil. Todas as emendas foram rejeitadas pelos vereadores apoiadores do prefeito.
Entre as contradições do plano está a autorização da prefeitura de utilizar recursos públicos para pintura de fachadas de imóveis abandonados (que serão valorizados também pelas obras públicas no seu entorno), ao mesmo tempo que se nega a garantir o mínimo de dignidade e melhorias da situação precária de moradia das famílias da região. Os recursos do Solo Criado cujo destino original deveria ser o Fundo Municipal de Habitação estão sendo desviados para o Fundo de Gestão de Território, e ao invés de ser investidos em habitação popular serão utilizados para embelezar os imóveis dos especuladores imobiliários. Além disso, também está prevista a redução de destinação de área pública de 20% para 10% nos futuros empreendimentos imobiliários.
A cidade precisa conhecer o Quarto Distrito que o prefeito não mostra, onde famílias vivem em barracos de madeira com assoalho comprometido pelo esgoto que corre a céu aberto e onde não se tem água para tomar banho ou lavar roupa. Mas que existe muita gente trabalhadora lutando pela sobrevivência e que merece morar com dignidade e usufruir das melhorias que estão previstas para a região. As comunidades com todas as dificuldades foram até a Câmara de Vereadores “mostrar que existem” para aqueles que só conseguem enxergar o lucro, com suas faixas questionaram “Qual o Plano da prefeitura para as Ocupações do 4D?”, reivindicaram, “O povo quer moradia popular no 4D” e denunciaram “Para os ricos isenção, para os pobres exclusão”. Porém, mais uma vez a população foi ignorada.
O resultado de 23 votos a 10 não nos surpreende, pois este é o projeto prioritário deste governo e a maioria dos vereadores são apoiadores do prefeito, contra o povo e a favor dos interesses dos empresários. Na ordem de votação do dia acordada entre as lideranças das bancadas, o Plano +4D seria o décimo primeiro a ser votado, no entanto os governistas desrespeitaram o acordo e colocaram como segundo. O vice-prefeito Ricardo Gomes esteve acompanhando pessoalmente a sessão e afirmou que será possível perceber o início das mudanças na região entre 60 e 90 dias. Segundo ele, já há empresas que aguardavam pelo aval do Legislativo para iniciar novos projetos. O jogo combinado entre empresários e prefeitura é evidenciado nesta fala e em diversos momentos, como na audiência pública virtual realizada antes do projeto ser enviado à câmara, em que os moradores das comunidades da região não conseguiam acessar a sala, enquanto empresários participavam das suas casas luxuosas em outras cidades com suas taças de vinho. Já a audiência pública promovida pela câmara de vereadores que reivindicou- se que fosse realizada presencialmente, também ocorreu de forma virtual, mas nesta os empresários sequer participaram, pois já haviam realizado sua reunião particular com o prefeito no dia anterior.
Tempos difíceis virão para os invisíveis e indesejados do Quarto Distrito, agora com o plano aprovado se intensificará a pressão em cima das comunidades irregulares e ocupações ameaçadas de despejo, os ricos não irão querer pobres vivendo no entorno dos seus empreendimentos milionários. Teremos muita luta pela frente e as famílias mais vulnerabilizadas do 4D precisarão de muito apoio nessa Resistência.
Ninguém larga a mão de ninguém!
A peleia está só começando!
(*) Cientista Social, Coordenadora Estadual do Movimento Nacional de Luta pela Moradia- RS