Cada núcleo familiar da Ocupação Cerâmica Anita, no bairro Vicentina, em São Leopoldo, receberá, ao final do processo, um projeto completo para sua casa. Ao todo, serão 68 famílias beneficiadas. Com base na Lei de Assistência Técnica (Lei 11.888/2008), formou-se uma equipe, composta pela arquiteta e urbanista Eloise Mudo, responsável pelo programa junto ao IAB RS, outros quatro arquitetos e urbanistas selecionados por meio de edital e duas estagiárias da Unisinos. Juntos, eles vão desenvolver os projetos das casas. No entanto, para que isso aconteça, é preciso engajamento dos moradores e do executivo municipal.
Os primeiros passos foram dados ao longo do ano com a assinatura de um termo de cooperação técnica entre o IAB, a Prefeitura de São Leopoldo e a Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos). O envolvimento da comunidade começou com a aproximação entre as lideranças comunitárias e a Prefeitura Municipal, mas ficou ainda mais forte com as etapas complementares ao desenvolvimento dos projetos por parte da equipe técnica, inicialmente com a Unisinos dando suporte ao projeto urbanístico e agora com o IAB RS nos projetos das casas.
Eloise comenta que a realização de oficinas com a equipe e os moradores é fundamental para que toda a ação seja bem-sucedida. “As oficinas estão sendo um trabalho educativo com as famílias. É um trabalho complementar à atividade de projeto”, disse. “Nós vamos ter as oficinas, os atendimentos individuais na comunidade para todas as famílias e a fase de escritório, de projeto, que será feita na Unisinos”.
Oficinas com a comunidade
A primeira oficina ocorreu no dia 20 de outubro na sede da Associação dos Moradores do Bairro Vicentina (AMBAVI), que cedeu o espaço para o trabalho da equipe técnica. “A Associação não fica dentro da comunidade, mas a comunidade fica dentro do bairro, por isso a AMBAVI está dando esse suporte, como um apoio”, comenta a coordenadora do projeto. É uma estratégia de inclusão da comunidade ao restante do bairro.
Acompanharam o primeiro dia de oficinas a Secretária Municipal de Habitação (Semhab), Karina Camillo Rodrigues, e a arquiteta e urbanista Ângela Müller, diretora de Projetos Habitacionais da Semhab, que fez a ponte entre a equipe técnica e a comunidade beneficiada pelo projeto do IAB RS. Na oportunidade, os moradores foram apresentados ao time completo de profissionais envolvidos, para que saibam a quem recorrer ao longo do processo em caso de dúvidas e sugestões.
Serão cinco oficinas nesta etapa. A primeira serviu para debater o projeto urbanístico da Prefeitura e a divisão dos lotes. Foi apresentada a planta geral com comentários sobre o regime urbanístico realizado pelo município. A área será considerada uma AEIS – Área Especial de Interesse Social – com regime próprio. Ao final do primeiro dia, as famílias receberam um termo de compromisso para que participem e se envolvam com todas as atividades a fim de receber o projeto no final de toda a ação.
“A equipe da Unisinos está desenvolvendo um trabalho paralelo ao nosso. O EMAU (Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo) vai fazer um projeto de paisagismo produtivo nas áreas livres. Futuramente, eles vão trabalhar as áreas livres também dentro dos lotes – áreas de recuo, não edificadas – para aproveitamento com hortas e uso familiar”, explica Eloise. A arquiteta e urbanista Patrícia Nerbas é a professora responsável pelo acompanhamento dos estudantes.
Educação ambiental e projeto participativo
A segunda oficina ocorreu na manhã do chuvoso sábado de 03 de novembro, também na sede da AMBAVI. O tema do encontro foi o projeto participativo das casas. O encontro se dividiu em dois momentos: noções de educação ambiental – apresentação do trabalho do arquiteto e de coisas que são importantes ter numa casa (iluminação, insolação, ventilação, áreas permeáveis no quintal) e programa de necessidades da casa – básico para promover saúde e bem-estar para as famílias.
O segundo momento, em especial, foi bastante prático. As famílias foram divididas em quatro grupos, cada um com um arquiteto e urbanista, e fizeram um exercício de projetação. Cada grupo recebeu uma caixa com peças de parede e de mobiliário, em escala, para montar a base de uma casa. A próxima oficina, marcada para o dia 10 de novembro, dará continuidade ao trabalho.
“Nós vamos estudar as propostas do exercício para tirar alguns modelos como base. Não significa que as casas serão iguais. Partiremos de uma modulação básica que sirva não para todas, mas para o maior número possível de casas, tanto para poupar o nosso tempo de projeto quanto para que eles tenham a possibilidade de conseguir algum recurso para facilitar o processo de construção”, destacou Eloise. As duas últimas oficinas serão com a ONG Mulher em Construção. Elas vão dar oficinas práticas de instalações elétrica e hidráulica. A ONG está em tratativas com a Prefeitura de São Leopoldo para, num momento posterior à fase de projetos, desenvolver capacitação junto às famílias para o gerenciamento de suas obras.
A líder comunitária Cleusa Lagemann lembra que, há dois anos, as famílias viviam atormentadas com a possibilidade de despejo. Hoje o quadro mudou completamente. “Abre uma oportunidade. O projeto coloca na vida real um sonho que estava na nossa cabeça, o de ter a nossa casa”.
“Quando morar é um privilégio, ocupar é um direito”
A frase muito utilizada nas ocupações revela um grave problema das cidades brasileiras. “O município, apesar de não ser uma capital, está inserido na região metropolitana e vive as dificuldades habitacionais das grandes cidades. Escolhemos São Leopoldo por se enquadrar no trabalho que buscamos”, explicou o arquiteto e urbanista Rafael Passos, presidente do IAB RS. “Uma das premissas do projeto é considerar a especificidade de cada família e trabalhar para tornar a vida delas melhor”, resumiu a coordenadora do projeto.
O edital de patrocínio de projetos de ATHIS do CAU/RS (Chamada Pública 001/2017) selecionou dois projetos: o do IAB RS, que trabalha com a Ocupação Cerâmica Anita, em São Leopoldo, e o do Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio Grande do Sul (Saergs), responsável pelas melhorias habitacionais do Assentamento 20 de Novembro, em Porto Alegre.
O Conselho destina 2% de sua receita anual para investimento em projetos de ATHIS. Como autarquia federal, o CAU não pode contribuir diretamente, precisando da mediação de entidades como o IAB RS e o Saergs para organizarem e desempenharem as ações necessárias até o desenvolvimento e entrega dos projetos, tudo conforme a Lei de Assistência Técnica, promulgada em 2008.