Leia matéria assinada por Carlos Rollsing:
A decisão da prefeitura de Porto Alegre de contratar estudos de viabilidade econômica e jurídica para conceder à iniciativa privada a gestão dos parques Redenção (Farroupilha), Parcão (Moinhos de Vento), Marinha do Brasil e trecho 3 da Orla do Guaíba levanta debate entre urbanistas, com observações de vantagens e riscos.
A pauta envolve quatro dos principais espaços públicos da capital gaúcha e, no primeiro olhar, apresenta as vantagens de desonerar o poder público dos custos de manutenção e proporcionar investimentos na qualificação. Mas o tema traz consigo itens de complexidade, como convivência social, intervenções urbanas em locais simbólicos, geração de renda para trabalhadores informais, possíveis modificações dos públicos frequentadores e preocupações com segurança pública.
Os estudos serão feitos pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e constituem a etapa inicial do processo. Caso decida levar adiante, o governo do prefeito Sebastião Melo (MDB) precisará fazer audiências e consultas públicas e lançar o edital de licitação. Um trâmite longo, estimado em até dois anos e meio pela secretária municipal de Parcerias, Ana Pellini. Ela antecipou que os parques manterão o caráter público, sem a cobrança de ingresso para transitar nos espaços. É o que ocorreu no trecho 1 da orla do Guaíba e no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, já concedidos em conjunto.
A receita para remunerar o concessionário e assegurar investimentos na infraestrutura virá de atrações inseridas no ambiente. Essas, sim, terão cobrança por serviços específicos, como bares, restaurantes, lojas de suvenires ou atrações como roda-gigante.
Para os urbanistas, sejam eles favoráveis ou cautelosos com as concessões, há um ponto de convergência: o edital de licitação e o texto do contrato precisam estar delineados com clareza e precisão sobre as obrigações e os limites da empresa gestora. É o mecanismo apontado como moderador de eventuais abusos que possam descaracterizar o ambiente ou promover seleção de público pelo viés econômico.
— E quem não tiver dinheiro para frequentar eventuais atrações? A prefeitura pode fazer como no Auditório Araújo Vianna (que reabriu em 2012 após concessão), negociar um certo número de ingressos, certa fatia da cidadania que terá algum desconto, alguma facilidade. São elementos importantes do edital e que dependem do poder de negociação da prefeitura para criar um regramento benéfico ao cidadão, com uma concessão que não venha para funcionar como meio de segregação social — avalia Benamy Turkienicz, professor titular da faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do RS (UFRGS).
Para o urbanista, as concessões poderão ser positivas para a cidade se forem seguidas as premissas de manutenção do caráter público dos parques, com exploração comercial de serviços específicos, fiscalização rígida do contrato, observação de indicadores de desempenho e cláusulas que podem determinar o fim da concessão em casos de faltas graves.
— Não tenho dúvida que a cidade tem a ganhar se forem observadas as premissas. O poder público tem outras atividades para colocar dinheiro, como saúde e educação. O Estado tem territórios que valem dinheiro e, com sabedoria, pode negociar o uso observando o interesse público — diz Turkienicz.
A seção gaúcha do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS) é mais cautelosa e aponta possíveis riscos envolvidos na concessão de espaços públicos tradicionais. Para a entidade, um trâmite equivocado pode levar a um processo de gentrificação, quando uma região é remodelada, inclusive do ponto de vista financeiro, e populações tradicionais de baixa renda deixam de ser bem-vindas. É como se o ambiente, antes acolhedor, se tornasse hostil a sua presença.
— O acesso não vai ser proibido, mas, daqui a pouco, quem está com uma roupa mais simples passa a ser observado. Esses locais muitas vezes têm segurança privada. As cidades são complexas. Defendemos a valorização dos espaços públicos, mas com processos participativos e manutenção do caráter público no sentido de que todos se sintam confortáveis no lugar. Essas transformações com atrativos como bares e restaurantes têm potencial para modificar e redirecionar os públicos — avalia Marcelo Arioli Heck, arquiteto e urbanista membro do conselho diretor do IAB-RS.
Olhando para o futuro, Heck vislumbra outras complexas frentes de debate e de intervenção nos parques que podem abrir-se com as concessões. No caso da Redenção, alerta o urbanista, uma eventual concessionária poderá desejar o cercamento do parque, pauta que frequentemente volta ao debate público em Porto Alegre diante de episódios de violência. Para o urbanista, uma decisão como essa não poderia partir exclusivamente de um concessionário, exigindo debate para entender o que pensa a população sobre intervenções que podem descaracterizar espaços.
— O nosso conceito é que o cercamento deve ser desconsiderado. O que traz segurança são pessoas na rua, infraestrutura e iluminação. Estamos falando dos principais espaços públicos da cidade e temos questões conceituais. O histórico não pode ser descaracterizado — diz Heck.
Ele também chama atenção sobre o futuro dos vendedores de pipoca e de cachorro-quente, tradicionais nos parques envolvidos. A dúvida é se esses profissionais poderão continuar atuando após eventual concessão ou se somente terão autorização os que tiverem contrato com a empresa gestora.
Voz favorável às parcerias com o setor privado é a de Ricardo Ruschel, arquiteto e vice-presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea-RS). Ele cita que o modelo é implementado em cidades como Nova York, Barcelona e Lisboa. No Brasil, São Paulo é uma referência na concessão de espaços públicos, incluindo o tradicional Parque Ibirapuera. Para ele, o segredo é ter “regras muito bem estabelecidas” para evitar dissabores futuros.
— Tudo precisa ser bem esclarecido no contrato para não termos parques tradicionais e icônicos sofrendo intervenções que urbanisticamente podem não ser adequadas. É um cuidado para não descaracterizar. Além de reduzir custos para o poder público, traz melhoria da qualidade dos espaços abertos. A prefeitura não tem braços para tudo e a atitude correta é chamar parceiros. Vira um ganha-ganha. Quanto mais qualificados os espaços, mais gente nas ruas, mais comércio e, consequentemente, mais segurança — diz Ruschel.