– Iniciativa é fruto de concurso público nacional realizado em 2018 pelo IAB RS e o seu núcleo de Santa Maria, a Prefeitura Municipal de Santa Maria e a Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM).
– Prazo para entrega da construção é de oito meses.
Fotos: Prefeitura de Santa Maria (Eduardo Ramos, João Alves, Marcelo Oliveira e Samuel Marques); e assessoria de imprensa do IAB RS (Ricardo Rodrigues)
Muita emoção marcou a cerimônia que deu início a construção do Memorial às vítimas da Boate Kiss, na manhã do dia 10 de julho, na cidade de Santa Maria, 11 anos após a tragédia. Parentes, amigos, população, entidades e o poder público estiveram presentes no ato, que simbolizou a demolição do prédio que abrigava a boate. O memorial é fruto de um concurso público nacional realizado em 2018 pelo IAB RS e o seu núcleo de Santa Maria, a Prefeitura Municipal de Santa Maria e a Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). Entre as 121 propostas inscritas de 14 estados brasileiros, o vencedor foi o arquiteto Felipe Zene Motta, de São Paulo. Em seu projeto, ele destacou a construção de um jardim central e de um único pavimento, priorizando a facilidade de construção e sua manutenção.
O ato foi marcado pela remoção do letreiro da boate e da porta de entrada. Além disso, foi realizada, também, a remoção de itens que integrarão uma exposição itinerante, que tem como objetivo preservar a memória e conscientizar as pessoas sobre a tragédia. Nessa primeira etapa, serão definidos os itens que integrarão esse acervo; a remoção do telhado, classificação de resíduos que permanecem no local para que uma empresa especializada faça a remoção; e abertura de um espaço na entrada para o ingresso de máquinas.
O atual presidente da AVTSM, Gabriel Rovadoschi Barros, leu uma carta aberta para a população, a partir do ponto de vista do imóvel. “Sei que passamos por momentos muito difíceis e que minha presença muitas vezes trazia lembranças extremamente desagradáveis. Aos poucos, minha fachada se transformou em mural, e minha permanência se transformou em símbolo da luta pelo futuro justo e símbolo para todos nós. Agora, chegamos em um momento decisivo da nossa história. Um momento de desfazer a ruína e construir a memória. Te convido para acompanhar esta nova etapa que passaremos juntos, o início da obra do memorial”, dizia um trecho do documento, que também foi distribuído para a população.
O prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom, enfatizou que “este dia é um simbolismo da não omissão. Era inadmissível que o Poder Público não conversasse com a Associação e não tivesse, minimamente, respeito e empatia com os pais e familiares. Negociamos a desapropriação do imóvel junto aos proprietários e colocamos o dia 27 de janeiro no calendário oficial do Município. Agradecemos, em especial, ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS). Nosso recado para o mundo inteiro é que esse Memorial, além de acolher e preservar a memória, sirva de exemplo para que uma tragédia como esta não se repita”, disse.
Com investimento estimado em R$ 4 milhões, o novo espaço vai ser custeado com recursos do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), presidido pelo MPRS. As verbas do FRBL são arrecadadas a partir de multas e acordos judiciais por danos causados à coletividade. O procurador-geral de Justiça, Alexandre Saltz, destacou a importância do ato. “A presença do Ministério Público aqui não poderia ser diferente, é muito mais para dizer e registrar que nós estamos com vocês sempre. Tenho muito orgulho de estar aqui hoje. Após muitos desafios e brigas judiciais, chegamos enfim aqui, o dia de honrar a memória de quem perdeu a vida”, pontuou.
Ao final, foram soltos 242 balões brancos simbolizando cada uma das 242 vítimas do incêndio.
O projeto do memorial
O concurso que escolheu o projeto para a construção do Memorial é fruto de um trabalho coletivo que começou com uma campanha de doações, em 2017. Membros da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) arrecadaram mais de 150 mil com a população local e empresas, que auxiliou a viabilizar o concurso. Além do projeto vencedor, os outros quatro colocados foram premiados com valores em dinheiro: Frederico André Rabelo, de Goiânia; Fabio Henrique Faria, de Curitiba; Fernando Maculan Assumpção, de Belo Horizonte; e Paulo Henrique Paranhos, de Brasília. Pela qualidade das propostas, outros cinco projetos receberam menção honrosa.
A diretora financeira do IAB RS, Francielle Schallenberger, disse, durante a cerimônia, que “após a ideia do concurso ser abraçada pela AVTSM, ficou claro a importância de um processo público ser realizado para esses fins. O IAB RS elaborou a proposta com a participação ativa de familiares, e isso foi possível através do financiamento coletivo, algo realizado pela primeira vez no Brasil. É um dos projetos mais significativos para nós por todo o seu significado. Não podemos mudar o passado, mas podemos mudar o futuro, reafirmando o compromisso de nunca esquecer”, falou.
O arquiteto vencedor, Felipe Zene Motta, enfatizou o fato da cidade estar se despedindo de um fantasma que trouxe, por tanto tempo, memória direta à tragédia. “O que vai vir no lugar poderia ser só um espaço lindo, uma coisa que trouxesse conforto. Mas o mais importante não é só o que vai estar lá dentro, que é esse jardim maravilhoso. A ideia é continuar sendo uma fachada potente em simbologia, que as pessoas continuem a olhar para ela e lembrando, por mais duro que seja, porque, como Gabriel disse, o mais importante é que nunca ninguém esqueça o que aconteceu aqui”.
O projeto de Motta, de acordo com a comissão julgadora, se destaca por sua oportuna inserção urbana e implantação no nível médio do terreno, seu caráter simbólico e delicadeza ao colocar seu ponto focal em um jardim florido no centro da exposição. O projeto reforça o sentido afetivo do lugar da memória ao mesmo tempo que oferece a cidade uma narrativa do fato de forma a contribuir para a superação. A facilidade e simplicidade de execução e manutenção são favorecidas pela organização espacial das funções em único pavimento.
A arquiteta e paisagista Mariana Siqueira, na época residente em Brasília, viu o projeto vencedor e resolveu entrar em contato com Motta para apresentar ideias ao jardim. “Na ocasião, me chamou atenção o fato do jardim estar no centro, como um protagonista vivo, um jardim naturalista. Me apresentei ao Felipe e disse que adoraria contribuir com sua equipe, então eu vim para a cidade pela primeira vez. Minha ideia foi introduzir espécies nativas do Rio Grande do Sul de forma pioneira. São espécies que brotam naturalmente no nosso entorno, mas nunca vistas em jardins. O desafio, então, é, por meio de parcerias, viabilizar essa inovação. Me sinto honrada de fazer parte desse processo”, finalizou. O prazo para finalização da obra é de oito meses.