Os convidados discutiram a relação entre o poder público e o setor imobiliário
A relação envolvendo o setor imobiliário e a administração pública na Capital, bem como os desdobramentos da revisão do Plano Diretor e as eleições para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), foram alguns dos tópicos abordados no debate “Planejamento Urbano e Gestão: desafios atuais e perspectivas futuras para Porto Alegre”, que ocorreu no dia 28 de março na sede do IAB RS, em Porto Alegre. A atividade integrou as comemorações de 76 anos da entidade, e contou com a presença da jornalista investigativa Lidiane Blanco; o cientista econômico e representante do Observatório das Metrópoles André Couto Augustin; e a copresidente do IAB RS, Clarice Misoczky Oliveira. A mediação foi realizada pela também copresidente Bruna Tavares, que integra a Comissão Cidades.
André Couto Augustin iniciou sua fala destacando a atuação do setor empresarial nas últimas eleições municipais em Porto Alegre, envolvendo financiamentos de campanha. Segundo levantamento realizado por ele em 2020 e publicado em 2022 em livro do Observatório das Metrópoles, “Reforma urbana e direito à cidade”, houve uma grande movimentação financeira realizada por empresas ou famílias donas de grupos empresariais, com destaque para as construtoras que tem um foco específico em mercado residencial de alta renda em áreas específicas da cidade. “São valores que partem de 15 mil reais, porém chegando a 200 mil em alguns casos, somando 600 mil nesse segmento”, disse.
O cientista destacou que esse montante veio de um núcleo principal de financiadores, mas que outros grupos de empresas também tiveram atuação massiva nesse processo de financiamento. “Observei empresas como grandes frigoríficos, produtores de óleo de soja, transportadora, mas todas elas possuem algum investimento imobiliário. Há uma união de empresários de todas as áreas em torno de construtoras e investimentos imobiliários”, ressaltou.
Na esteira dessa temática, a jornalista Lidiane Blanco realizou uma série investigativa chamada “Donos da idade”, publicada no Sul21 em 2023. Nas reportagens, Lidiane mapeou projetos imobiliários especiais lançados em Porto Alegre na última década (2012-2022), destacando leis que foram criadas e regras urbanísticas alteradas para atender interesses de grupos empresariais. O levantamento é resultado de análise de dados públicos, decretos e pesquisas acadêmicas. “O ponto de partida foi um questionamento que a gente tinha, de por qual razão tanta coisa em Porto Alegre não podia ser feita, e de repente era possível. Além disso, meu desejo era verificar se havia concentração de empreendimentos nas mãos de poucas construtoras, que era uma sensação muito nítida ao transitar pela cidade”, explica.
A jornalista relembra que solicitou à prefeitura informações sobre todos os projetos especiais que estavam tramitando, unificou com uma base de dados realizada pela acadêmica Júlia Ribes e uma lista de projetos prioritários lançados pelo decreto 2065 no governo de Nelson Marchezan Júnior, no desenvolvimento proposto no pós pandemia em 2020. O então prefeito modificou as regras do licenciamento para quem fosse construir e fazer a fundação em até um ano. “Em nosso mapeamento era importante ter as informações porque esses projetos especiais envolvem todas as obras que são públicas e não contrapartidas, são obras de mitigação e compensação de impacto e devem ser devolvidas à sociedade à medida que aquele empreendedor chega no bairro e impacta aquele ambiente de forma negativa. Tais dados não foram fornecidos pela prefeitura”, conta.
Os projetos especiais foram relatados nas reportagens, tais como a Arena do Grêmio, o Pontal e os desdobramentos envolvendo o projeto das torres do Beira-Rio. “Foi possível compreender, a partir da apuração feita em conjunto com o Luís Eduardo Gomes, como a lógica do planejamento urbano foi alterada em Porto Alegre. Ela sai do poder público e ela passa para o privado à medida em que todas essas questões envolvendo a devolução para a sociedade não são entregues”, aponta.
Para dialogar com a fala dos dois primeiros convidados, a copresidente do IAB, Clarice Oliveira, relembrou sua dissertação de mestrado, que também enfatizou a relação das obras na época da Copa e os doadores de campanha do prefeito na época, José Alberto Reus Fortunati. “A diferença na época eram cifras muito altas por meio de grupos empresariais. Quando se fala em Plano Diretor, é uma Lei Complementar que precisa ser aprovada pela Câmara de Vereadores, que foi o caso de empreendedoras ligadas ao Grêmio e ao Internacional, que precisaram ir até a Câmara para gerar os índices construtivos satisfatórios”, disse.
Clarice ressaltou a importância dos processos de transparência e o fato da decisão sobre a revisão do Plano Diretor ter sido postergada para 2025. “O Plano Diretor é a lei máxima do planejamento urbano e é ele que vai indicar o norte do futuro da cidade. Poderá ter planos setoriais, mas é ele que terá as diretrizes e isso precisa ser específico. Como vamos falar sobre o futuro da cidade sem entendermos o que está sendo coordenado para o Plano Diretor?”, questiona, ressaltando que a cidade deve ser de fato para os moradores, e não para os negócios.