Outubro de 1969. Quinhentos arquitetos do Brasil se reuniam neste auditório para o 8º Congresso Brasileiro de Arquitetos. “As potencialidades do arquiteto frente ao desenvolvimento da sociedade atual” era o tema daquele Congresso. Daqui se dirigiriam a Buenos Aires para o 10º Congresso Mundial de Arquitetos. “Memória de um tempo em que lutar por seu direito é um defeito que mata”. Seriam longos e duros 7 anos até que um novo CBA fosse possível, então em São Paulo, 1976. Sopravam os primeiros ares de um lento e gradual processo de redemocratização do país e o IAB estava lá, junto a tantas vozes de um Brasil ansioso por democracia.
Depois de 50 giros ao redor do sol nosso planeta mudou. Já não pode mais ser visto como um suporte infindável de recursos para o uso e abuso do ser humano. Pelo contrário, nos desafia a revisar os valores civilizatórios que têm orientado o desenvolvimento econômico e social pelos últimos séculos. De fato, agora, os recursos mais básicos para a vida humana estão escassos.
-“Como ousam?” Exclama a menina sueca.
Muitos outros e outras gritam um grito abafado pelo crepitar do fogo que arde nas florestas, pela lama que invade os rios e vales, e pelos tiros despejados sobre as favelas, acirrando o invisível Apartheid brasileiro. Calam a voz do futuro.
Será ainda viável um modelo de desenvolvimento lastreado por ouro, dividendos e juros enquanto o mais básico, como o solo, o ar e a água se tornam tão escassos que ameaçam a vida? Será que esse mesmo modelo de ultra concentração de renda, sob a imoral máscara de falsa moralidade nos levará a um futuro em que o espaço da vida e da Democracia serão possíveis?
Espaço e democracia sempre tiveram na História uma relação simétrica. Na Ágora grega a democracia ganhava vida, exercida apenas pelos cidadãos nascidos naquela cidade-estado. A democracia moderna amplia seu espaço para o Estado Nação. A revolução das comunicações aproximaria diferentes espaços dissolvendo fronteiras. Em movimento contrário, hoje as fronteiras se fecham aos povos, mas não ao capital.
– Todos os Mundos um Só Mundo!
Tema do UIA 2020, grita a Arquitetura do Século XXI se opondo a esse atraso que avança a passos largos, como são sempre os passos do autoritarismo e da barbárie. Enquanto os da democracia são lentos, posto que debatidos, porque acordados. Diálogo, pede-se. Fundamental, sim, mas não mais que o firme posicionamento baseado na racionalidade, bem como no sentimento de justiça e igualdade.
Nas mais diferentes escalas, o espaço é nosso objeto de trabalho, porém são muitos os espaços produzidos apesar da nossa capacidade de promover arquitetura, urbanismo, e planejamento urbano e regional. Por outro lado, somos cada vez mais arquitetos e arquitetas. São grandes os desafios a fim de unir as duas pontas, os quais demandam reflexões e ações tanto no âmbito estrito da ciência e da técnica, quanto sociais, culturais e políticos.
Sim, somos arquitetos e urbanistas, mas antes somos seres, humanos. Vivendo em comunidade, somos também seres políticos, e como nos lembra nosso homenageado Clóvis Ilgenfritz, “quem não faz a política, sofre a política dos demais”. Assim, fazemos mais que um convite, uma convocação: façamos a política, desde nossa identidade profissional, claro, o que só nós, ou poucos além de nós, podemos fazer com a devida competência.
Nossos agradecimentos a todos e todas que tornaram esse CBA possível. Direção Nacional e Conselho Superior do IAB por apostar em nós. Às entidades estaduais e nacionais de arquitetos, co-irmãs. Ao CAU, fundamental para ampliar nossa capacidade de aprimorar e expandir a arquitetura e urbanismo. À Prefeitura de Porto Alegre e ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul, através de suas Secretarias de Cultura. Aos patrocinadores e apoiadores. À nossa equipe do IAB e de organização, nem posso nomina-las todas, nosso muito obrigado. E mais que tudo, àqueles que acreditaram em nossa proposta de Congresso: cada participante.
Por fim. Este Congresso se realiza na praça, no teatro, no museu, no centro cultural, na universidade, lugares da vida, da cultura, da ciência. Para que olhemos essa cidade, diferente de qualquer outra, por sua arquitetura, por seu patrimônio, e para que a cidade olhe para a arquitetura de modo distinto do que vê todos os dias, para que a veja, para que nos veja.
Sejamos cada um de nós durante os próximos três dias, interlocutores da arquitetura e urbanismo para todos e todas.
Façamos da Praça da Alfândega a Ágora da Arquitetura Brasileira.
Viva a ciência, a cultura, a educação.
Viva a arquitetura, a cidade, o ambiente!
Viva o espaço para o livre pensar sem censura!
Viva a democracia! Viva Briane!
Viva Demetre
Muito obrigado.