O projeto de revitalização do Cais Mauá obteve a licença ambiental prévia. No entanto, com relação à licença de instalação, a análise está em regime de prioridade, mas não há um prazo para definição, segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade.

Na reunião da Câmara, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do empreendimento foram abordados em reunião da Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação (Cuthab). O evento foi solicitado através de requerimento enviado ainda em junho de 2016 pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul (IAB RS) e pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).
Introduzindo o debate, Francisco Marshall, professor de História da UFRGS, afirmou que o projeto de revitalização "é frágil, pois não possui idoneidade jurídica e não dá atenção às questões de mobilidade e harmonia da cidade. Queremos construir um processo de revitalização com qualidade, por isso defendemos mudanças rigorosas nele”, explicou o professor. Vice-presidente da Amacais, Marshall salientou que a entidade “não é contra o empreendedor e o capital privado, mas defende uma relação cooperativa em que predomine o interesse da cidade”.

“O EIA parte de premissas muito retrógradas e de conceitos que não condizem com cidades humanas e sustentáveis”, descreveu o também professor da UFRGS Emilio Merino, doutor em Engenharia Urbana, com ênfase na área de transportes. Merino explicou que a empresa construtora admitiu que não há espaço para aumentar a capacidade de tráfego, e que as compensações sociais não resolverão os problemas causados no trânsito pelo empreendimento. “Esse estudo deveria ser completamente revisado, pois é regido por pesquisas muito conservadoras e limitadas”, assegurou.
Na mesma linha, o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB RS), Rafael Passos, garantiu que o projeto não se sustenta tecnicamente, mas sim por argumentos ideológicos. “É um exemplo do que não se faz mais em termos de planejamento urbanístico e ambiental”, afirmou. Ainda conforme ele, os trâmites têm corrido de uma forma “obscura e morosa”. “Está acontecendo a maximização dos interesses do ente privado, enquanto o interesse público é vilipendiado ”, alegou. Rafael defendeu ainda que o projeto retorne à fase do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), por não cumprir à portaria nº 483/16 do instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que estabelece restrições para intervenções em bens históricos.

Passos explicou que a Portaria 483, publicada em 6 de dezembro de 2016, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) demanda alterações em um dos pontos mais polêmicos da obra: o shopping ao lado da Usina do Gasômetro. O texto prevê diretrizes para a construção de prédios próximos a bens tombados no Centro Histórico, entre eles, o Cais Mauá. Nesse caso, o Iphan prevê que construções dentro da área de entorno não tenham altura maior do que 7,5 metros. O shopping, que atingiria a área de um dos armazéns, segundo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) concluído em 2015, descreve uma edificação de quatro pavimentos, o que resultaria em uma altura quase duas vezes maior do que o limite estipulado, em torno de 14 metros.
Fundador da Amacais, o arquiteto Cristiano Kunze dissertou sobre a área de implementação do shopping previsto no projeto, considerando que o local não é um “terreno pronto” para receber o prédio. Kunze também criticou a comparação da proposta de intervenção no Cais Mauá com concepções desenvolvidas no exterior. “Essas cidades e áreas possuem potencialidades que Porto Alegre não tem”, opinou, classificando como “risível” a área projetada para caminhadas rente à orla do Guaíba.
O que pensam os vereadores
Primeiro vereador a se manifestar, Valter Nagelstein (PMDB) descreveu os representantes da Amacais como um “grupo ideológico” defensor de uma “minoria” derrotada em todas as instâncias. “Para o projeto parar em pé, é preciso ter viabilidade técnica, social e econômica”, disse. O vereador defendeu a revitalização do Cais e a recuperação do Centro Histórico, classificado por ele como “feio, velho e degradado”. “A cidade está assim por conta desses setores que não permitem investimentos econômicos”, asseverou Nagelstein.
Contrapondo o colega, Fernanda Melchionna (PSOL) disse ter acompanhado todo o processo de discussão sobre o projeto para a obra do Cais e afirmou que a mesma “atende apenas aos interesses privados sem se preocupar com a cidadania”. “O Tribunal de Contas do Estado já confirmou que não há viabilidade econômica para a obra acontecer”, lembrou Fernanda. A vereadora condenou também o que denominou como "premissas equivocadas adotadas no estudo" e criticou o não comparecimento do Consórcio Porto Cais Mauá.
Por sua vez, o vereador Professor Wambert (PROS) ponderou ser o tema relevante para a cidade e merecedor de atenção visto que terá reflexos nas próximas gerações.
Executivo marcou presença
Representantes da administração municipal também se fizeram presentes na reunião. Pela secretaria municipal de Serviços Urbanos (Smsurb), o secretário adjunto César Hoffmann afirmou que não se pode retroceder na iniciativa de revitalização, mas que os questionamentos devem ser esclarecidos. “Onde houver dúvidas de caráter ambiental, social e de planejamento, elas devem ser dirimidas”, apontou. Pelo Departamento municipal de Água e Esgoto (Dmae), a engenheira Airana do Canto garantiu que o projeto cumpre os requisitos de abastecimento de água e esgotamento sanitário regrados pelo órgão.
Já o diretor-técnico da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão (SMPG), arquiteto Glênio Bohrer, confirmou que todas as discussões sobre o Cais Mauá nos órgãos municipais foram feitas por colegiados, e que, ao ser lançado o edital de concessão, o consórcio vencedor apresentou um projeto adaptado ao regimento urbanístico. “O processo correu nos marcos que a lei exige e, inclusive, o empreendedor já foi obrigado a fazer mudanças no projeto original”, salientou.
No final do evento, o presidente da Cuthab, Dr. Goulart, encaminhou a proposta de Fernanda Melchionna, que sugere a realização de um seminário específico sobre o projeto de revitalização do Cais Mauá e seu impacto ambiental.
Também estiveram presentes no encontro o ex-vereador e ex-secretário do Meio Ambiente Beto Moesch; o professor de sociologia da Ufrgs, Milton Cruz; a presidente da Amacais, Katia Suman; e o vereador Paulinho Motorista (PSB).
A promotora de Justiça Ana Maria Moreira Marchesan, da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre, disse que é interesse da instituição saber como o projeto vai se adequar à Portaria 483/16, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que prevê diretrizes para a construção de prédios próximos a bens tombados no Centro Histórico. A norma, publicada em dezembro passado, pode exigir alterações no shopping center, previsto inicialmente para contar com quatro pavimentos.

Para os especialistas presentes no debate, as alterações no projeto afetam a isonomia do processo licitatório; fora a ausência de estudos de impacto sobre a vizinhança do Centro Histórico e a projeção de aumento na circulação de automóveis da ordem de 30 a 50% na Avenida Mauá.

Em síntese, os participantes defenderam outro modelo de revitalização da área, com real avaliação dos impactos e gestão compartilhada e participativa, bem como o início obrigatório das obras de restauro dos armazéns.