PLANO DIRETOR COM PRESUNTO E QUEIJO
Manifestação do Instituto de Arquitetos do Brasil com relação à Audiência Pública do PDDUA
O Instituto de Arquitetos do Brasil, IAB-RS, vem manifestar-se com relação ao evento denominado “Audiência Pública”, promovido pela Prefeitura Municipal, no dia 26 de maio passado, que deveria servir para apresentação e discussão das propostas elaboradas pelos técnicos municipais para atender às resoluções da Conferência de Avaliação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, realizada em 2003. O IAB-RS considera equivocada a forma como o Governo Municipal está conduzindo a análise pública deste evento, bem como a maneira como o Município a organizou, resultando em algo completamente diferente do que a lei conceitua como Audiência Pública. O IAB-RS já havia se anteriormente se pronunciado favorável a grande parte das alterações propostas pela municipalidade ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental. Porém, o IAB-RS manifestou dúvida quanto à legitimidade de se organizar uma Audiência Pública com atribuições deliberativas que não lhe são próprias e conduzida em moldes que resultaram inaplicáveis. A Audiência Pública é um instrumento, definido no Estatuto da Cidade, apropriado para o Poder Público dialogar com a população, tomar conhecimento de propostas e esclarecer dúvidas e colher sugestões. Existe uma metodologia própria para sua realização, estabelecida pela Conferência das Cidades organizada pelo Ministério das Cidades, que não foi seguida pelo Município. A legislação não menciona que uma audiência pública possa ter caráter deliberativo. Esta inovação da Prefeitura de Porto Alegre surge justamente para avaliação de propostas complexas e de alto conteúdo técnico, com alcance e significado muito além do horizonte imediato compreensível para a maioria dos cidadãos, e com impactos sobre interesses econômicos setorizados. Assim mesmo, o IAB-RS aceitou participar do evento no dia 26, convocado pela Prefeitura Municipal, por entender que seria uma forma de garantir espaço para o debate de idéias e para defender a transparência dos atos públicos. Infelizmente, os acontecimentos, tal como foram observados pelos representantes e Diretoria do IAB-RS, e amplamente registrados e divulgados pela imprensa confirmaram, com muitos agravantes, o que prevíamos, resultando em um processo distorcido e ilegítimo. A complacência com a qual os organizadores conduziram uma assembléia de caráter quase plebiscitário com atribuições de revisão da legislação oportunizou o que era previsível: grupos com interesses específicos organizaram-se e tomaram de assalto o espaço de um plenário reunido sem critérios democráticos claros e que teve o poder de julgar assuntos complexos do interesse de toda a cidade. E, de forma inexplicável a uma “audiência pública”, as manifestações de opinião estavam abolidas, tanto pelo regimento como pela ação violenta de participantes, com vaias e apupos. Evidências de práticas que, se fossem submetidas à legislação eleitoral classificariam-se como crime, como transporte de eleitores, distribuição de lanches, e orquestração de votação foram registradas por diversos observadores. Os órgãos da imprensa, presentes ao evento, salientaram com destaque as irregularidades ocorridas na audiência, publicando declarações de alguns envolvidos que admitiram a distribuição de dinheiro, lanches e outros benefícios para “incentivar” a participação de pessoas oriundas de comunidades carentes que não sabiam o que estavam votando. Além disso, foi relatado também o constrangimento a funcionários de empresas que foram obrigados a acompanhar seus empregadores na votação sob ameaça de perder o emprego. Considerando a descrição dos fatos que demonstram claramente a distorção do evento, o IAB-RS manifesta estranheza quando a Prefeitura de Porto Alegre, tendo perdido praticamente todas as votações, em uma situação flagrantemente ilegítima, declara-se satisfeita com o resultado. O projeto que o Executivo apresenta foi realizado com rigor científico atendendo a solicitação da população e não é fruto de veleidade ou capricho de um administrador, mas resulta do trabalho dos servidores municipais, orientados pela vontade popular qualificada, expressa através de uma Conferência Municipal, em que os participantes estudaram a questão urbana e travou-se amplo debate na cidade. O IAB-RS manifesta solidariedade aos colegas do corpo técnico da SPM e repúdio às humilhações sofridas durante a audiência. Saliente-se a necessidade de reconhecer o papel central do trabalho técnico no âmbito da discussão do poder público com a sociedade, pois somente ele pode estabelecer as bases racionais do debate e instruir corretamente a opinião pública. Como expor tal trabalho a alterações em uma assembléia previsivelmente distorcida, em um auditório insuficiente para abrigar todos os interessados, com fraco ou nenhum controle e sem chance de debate? Como chamar de participação popular a manipulação imoral de populações excluídas, carentes de recursos, manipuladas através de escusos expedientes de exploração da miséria, violência e ameaças? Se havia por parte do Executivo Municipal a ilusão de que pudesse auferir uma manifestação legítima, desfeita pelos fatos perante toda a sociedade, cabe-lhe agora a oportunidade de reconhecer, junto com o erro de método, a ilegitimidade da votação. O IAB-RS é radicalmente favorável à ampla participação popular em qualquer processo de planejamento e acredita que este instrumento é uma conquista da sociedade democrática que lutou por décadas para garantir o direito de opinar sobre seu próprio destino e controlar as ações do estado. Mas este processo não pode dar-se de qualquer forma. Existe método para se auferir a vontade popular, e existem limites para sua aplicação. A participação deve ser um instrumento de elevação de consciência, motivada pelo interesse da cidadania pelas questões referentes à cidade e ao seu futuro. O que se viu foi exatamente o contrário, a alienação da vontade popular e da dignidade humana por um punhado de reais, sanduíches e muitas falácias. O IAB-RS espera que a Prefeitura Municipal admita os vícios da audiência e coloque-se disposta a corrigi-los a tempo de garantir a verdadeira participação popular em busca da qualidade de vida e progresso material para todos os cidadãos. Não apenas a cidade está sendo tratada como mercadoria, seus cidadãos também estão vendo a espoliação de sua dignidade cívica ao serem vendidos e comprados. A cidade não é mercadoria. Seus cidadãos não são mercadorias. Porto Alegre vale muito mais do que um punhado de sanduíches.
Porto Alegre, junho de 2007.
Conselho Diretor / Comissão de Urbanismo
IAB-RS – Instituto de Arquitetos do Brasil
Departamento do Rio Grande do Sul
* Charge de Santiago, publicada no Jornal do Comércio.