A Arquiteta Silvana Cambiaghi, especialista em Acessibilidade Universal, esteve em Porto Alegre no último domingo participando de um evento promovido pelo CREA-RS. “Fácil Acesso para Todos” foi o nome dado ao evento, ocorrido no Parque da Redenção, com o objetivo de sensibilizar a população sobre a questão da acessibilidade, da igualdade, da segurança e da independência para todos os cidadãos. A Arquiteta também estará participando de um evento inédito que ocorrerá em São Paulo, no dia 24 de junho, onde serão abordados temas como o conceito de Design Universal e acessibilidade nos espaços de lazer e cultura de São Paulo. Nesta entrevista, Silvana fala ao InfoIAB-RS sobre como é tratada a questão no Brasil e no mundo, sobre a lacuna na formação de arquitetos, engenheiros e designers, e como a sociedade e a iniciativa privada podem colaborar na solução do problema.
i – Com a expectativa de vida cada vez maior, crescem determinados segmentos de mercado, como o turismo voltado para a 3ª idade. Não seria o caso dos arquitetos especializados em Acessibilidade Universal aproveitarem esta demanda?
SC – Acredito que não apenas os arquitetos especialistas em Universal Design mas esta deveria ser a preocupação de todos relacionados a construção civil, design e urbanistas.
i – Estima-se que cerca de 15% da população mundial possua alguma discapacidade física. Você acha que talvez o arquiteto esteja se afastando de sua ferramenta – o desenho – na busca da democratização do espaço projetado e construído, e deixando de lado uma multidão de consumidores?
SC – Acredito que na maioria das vezes os arquitetos projetam para o “Homem Padrão”, ou seja, a pessoa no vigor de suas forças e inteligência, infelizmente não somos assim, desde a infância até velhice nosso corpo e mente passam por diversas transformações, isto se não adquirirmos no decorrer de nossas vidas doenças ou acidentes que fiquemos com alguma seqüela e portanto com alguma deficiência. Com esta análise verificamos que este número aumenta muito mais que esta estimativa de 15%, que o arquiteto deixa de levar em consideração em seus projetos. “O Desenho Universal visa atender a maior gama possível de pessoas”, planejando espaços e dimensões apropriados para interação, alcance e uso de produtos em geral, independentemente do tamanho, postura ou mobilidade do usuário; reconhece e respeita a diversidade física e sensorial entre as pessoas. i – Como é tratado o tema na universidade, a Acessibilidade Universal faz parte dos currículos ou os profissionais são praticamente auto-didatas? Se o tema da Acessibilidade Universal entrasse para o currículo das Universidades, você acredita que geraria uma maior conscientização entre os arquitetos em fase de formação? E isso faria com que já surgissem projetos que levassem em conta este problema? SC – Torna-se necessária a conscientização, informação e capacitação dos profissionais de arquitetura, engenharia, design e construção civil em geral para o desenvolvimento e difusão dos conceitos de Desenho Universal. É especialmente importante que os futuros profissionais recebam este conceitos regularmente ao longo de sua formação universitária. Para tal, é indispensável a capacitação dos professores universitários na questão, que em sua maioria, se sentem desestimulados por não dominarem o assunto. i – Segundo o professor e presidente do IAB-RS, José Albano Volkmer, os prédios privilegiam mais os automóveis do que os deficientes. Ele costuma provocar seus alunos, questionando se eles já projetaram algum prédio sem acesso a carros. Como fica esta questão, de os arquitetos levarem em conta os automóveis e deixarem de lado pessoas com necessidades especiais? SC – Como foi anteriormente respondido, acredito que não faz parte da formação deles, sendo portanto esquecido na hora de projetar. i – Feiras de Arquitetura geralmente não mostram espaços adequadamente resolvidos que contemplem a Acessibilidade Universal. O que poderia ser feito neste sentido? SC – Eu fiz uma exposição interativa na 3ª Bienal Internacional de Arquitetura, em 1997, onde em um espaço de 480m2 foram expostos sala automatizada, quarto, cozinha, banheiros público e residêncial, escritório, enfim tudo que havia de ponta em acessibilidade para facilitar a vida de idosos, pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Este espaço foi executado em parceria com empresas do tipo DECA, Kitchens, Dorma, etc. A partir desse evento estas empresas começaram a ampliar e produzir produtos com o conceito do Desenho Universal. Entre os arquitetos e estudantes o evento também passou a ser muito comentado e discutido, tendo muita repercussão. Só que apenas poucos eventos não bastam, isto deveria estar presente em todas as mostras e eventos relacionados a arquitetura e design. i – Você acha que deveria haver um maior envolvimento da iniciativa pública (governos) e da privada (construtoras, incorporadoras, etc.) nesta questão? E que forma de envolvimento? SC – A implantação de uma política integrada para acessibilidade, promovendo interface entre os setores do Governo Federal, Estadual e Municipal e seus departamentos, permeando as diversas áreas como urbanismo, edificações, transportes e tecnologia, garantirá a possibilidade inclusão de uma pessoa com deficiência e conseqüentemente no mercado de trabalho, possibilitando assim que esta pessoa se torne um “cidadão”. i – E a sociedade, de que maneira você acha que poderia se engajar neste processo? SC – A sociedade tem um importante papel, fizemos uma moção no último Congresso de Arquitetura no Rio de Janeiro que foi aprovada, no âmbito das entidades de classe, foi colocado:
“1. motivação dos profissionais quanto à necessidade de toda a população para a acessibilidade ambiental e a prevenção de acidentes no uso da arquitetura;
2. organização e/ou participação em encontros relativos a esses temas;
3. intercâmbio com entidades representativas de pessoas portadoras de deficiência física ou sensorial”. i – Qual a importância de eventos que tratem deste tema, como o ocorrido no último domingo em Porto Alegre? SC – Como foi mencionado é muito importante estes eventos, principalmente como ocorreu o do CREA-RS, pois aconteceu em uma praça pública e envolveu as pessoas em geral, que estavam passeando em um domingo no parque. Isto com certeza deve ter mexido com a consciência de muitas pessoas que nunca tinham imaginado as dificuldades encontradas no parque para pessoas com deficiência ou dificuldade de locomoção para quem fez a vivência. i – Você poderia citar alguma cidade que seja exemplo/referência em Acessibilidade Universal no mundo? E no Brasil?
SC – Paises como EUA, Canadá e alguns países da Europa tiveram incríveis avanços nesta área, mas com uma acessibilidade integrada, isto é os transportes, urbanismo, acessos e edificações são planejados de forma a conseguir o uso por todas as pessoas. Aqui no Brasil as iniciativas são pontuais, temos cidades com edificações mais acessíveis devido a leis mais rígidas como é o caso de São Paulo, outras com a parte urbana mais acessível, como o Rio de Janeiro com intervenções do projeto “Rio Cidade”, e outra com um sistema de transporte mais adequado como no caso de Curitiba.
i – Qual a sua impressão sobre Porto Alegre no que se refere ao tema? Em que estágio estaria a capital gaúcha, em processo atrasado ou adiantado com relação a outros grandes centros brasileiros e mundiais?
SC – Acredito que vocês tem ótimos profissionais interessados na questão e o CREA, IAB, avalizando e reforçando este esforço. Este é um processo lento que vale mais a intenção de mudar e deixar as cidades mais democráticas a todos os cidadãos.
Redação Info IAB-RS
Jornalista Maisa Del Frari
Porto Alegre, maio de 2003.