Por Tiago Holzmann da Silva
A Prefeitura de Porto Alegre vem insistindo em um processo de revisão do Plano Diretor que rompe com a lógica de planejamento integrado e participativo previsto na legislação. A proposta, desenvolvida com apoio de consultoria multinacional, prevê dividir o Plano Diretor em partes, separando as diretrizes estratégicas do regime urbanístico.
Além disso, propõe uma série de alterações estruturais, com o argumento de tornar o planejamento mais flexível. Mas essa “flexibilidade” esconde uma escolha política grave: priorizar os interesses do mercado imobiliário em detrimento do planejamento democrático e da função social da cidade.
Essa fragmentação contraria frontalmente o que determina o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), que é explícito ao afirmar que o Plano Diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, e deve ser tratado como um documento uno e coerente (art. 40). Ao propor sua divisão em leis autônomas a Prefeitura rompe com a lógica de um instrumento legal sistêmico, colocando em risco a integridade das políticas urbanas.
Também grave é o viés político da proposta: ao isolar as regras de uso do solo, que interessa diretamente ao setor da construção civil, o governo municipal atende o mercado imobiliário com a possibilidade de alterar rapidamente o que lhe convém, sem precisar enfrentar o debate mais amplo sobre o futuro da cidade. Essa manobra viola também o art. 2º, III do Estatuto da Cidade, ao desconsiderar o princípio da gestão democrática e integrada do território, e ignora o art. 182 da Constituição Federal, que confere ao Plano Diretor o papel de instrumento básico da política de desenvolvimento urbano.
O que está em curso é a retirada do conteúdo social do Plano Diretor e a substituição por um regramento tecnocrático moldado sob medida para os interesses econômicos patrocinadores da carreira de gestores e vereadores. Em vez de um projeto de cidade para todos, o que se desenha é um esquema entre governo e setor imobiliário para moldar a cidade ao lucro destes.
Porto Alegre merece um Plano Diretor íntegro, como sempre foi, construído com participação da população e guiado pelo interesse público — não um arremedo legislativo para acelerar ganhos privados. Fragmentar o plano é fragmentar a cidade, e isso é inaceitável – e ilegal!
*Arquiteto e urbanista, ex-presidente do IAB RS e CAU/RS.
Leia a notícia original aqui.
Foto: Evandro Oliveira/JC