Marcada por sucessivos atrasos, a revitalização do chamado Quadrilátero Central de Porto Alegre deve ser concluída na virada para o segundo semestre, segundo nova previsão da prefeitura. Nos últimos três anos, as obras afetaram a circulação de pessoas em importantes vias comerciais e históricas, prejudicando negócios e causando transtorno aos moradores. A arquiteta Bruna Tavares, mestre em planejamento urbano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e co-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS), acompanhou os trabalhos e aponta uma série de problemas no projeto. A própria prefeitura reconhece falhas e a necessidade de realizar melhorias.
Iniciadas em 2022, com previsão de término no ano seguinte, as intervenções têm como foco a requalificação dos passeios de vias movimentadas do Centro Histórico – Doutor Flores, Uruguai, General Vitorino e Voluntários da Pátria, além de trechos da Rua dos Andradas e da Avenida Borges de Medeiros. O projeto inclui troca da pavimentação, instalação de mobiliário urbano e nova iluminação.
“É um projeto ambicioso, que abrange uma área muito grande do centro, mas claramente subestimado em seu cronograma inicial”, afirma Tavares. A Matinal constatou em abril que ainda há várias frentes de obra em aberto.
Piso novo e problemas antigos
Um dos principais elementos da revitalização é o novo piso das calçadas, com placas de cimento colocadas no lugar dos tradicionais blocos de granito. Apesar de serem tecnicamente apropriadas para ambientes de alto tráfego, essas placas foram instaladas sem o devido cuidado, com falha na execução.
“Há uma irregularidade entre as placas, muitos encontros mal resolvidos, peças danificadas. Isso compromete o uso, exige manutenção frequente e dá um aspecto de obra envelhecida, mesmo sendo nova. Quando se caminha pelas ruas, parece que tudo está fora de alinhamento”, aponta a arquiteta do IAB-RS.
Além disso, segundo ele, o novo piso traz uma sensação de frieza e esterilidade ao centro. “Ele não tem a potência de uma marca visual, de uma identidade. Acabou deixando o centro menos acolhedor.”
No editorial da revista Parêntese #268, publicado no dia 21 de março, Luís Augusto Fischer falou sobre esse aspecto do projeto. “Caro Melo, é o seguinte: que coisa feia essa tal reforma no centro. Meu senhor! Que coisa horrorosa esse calçamento! Que coisa mal concebida, deselegante, feia.” Leia a íntegra aqui.
Secretário reconhece falhas
Em conversa com a Matinal, o secretário municipal de Obras e Infraestrutura, André Flores, reconheceu que há imperfeições na instalação do piso. Segundo ele, a prioridade da gestão foi garantir a usabilidade dos espaços no menor prazo possível. “Instalamos o piso para devolver a usabilidade das vias o mais rápido possível, porque circulam por ali cerca de 350 mil pessoas por dia, além de haver um sem número de comércios e serviços impactados”, disse o secretário.
Ele admitiu que há problemas em alguns trechos, mas explicou que a empresa responsável é notificada sempre que existe a necessidade de correção, sem custos adicionais para o município: “Não pagamos duas vezes. Só pagamos pelo metro quadrado instalado e recebido definitivamente”.
Flores ressaltou que a obra de requalificação envolve cerca de 16 mil metros quadrados apenas de passeio público e que é natural que, em uma intervenção dessa escala, algumas falhas pontuais ocorram. “É evidente que em algum percentual — aceitável — vamos encontrar imperfeições. Elas têm que ser corrigidas, e serão.”
Outros problemas
Bruna Tavares aponta outra crítica recorrente sobre a revitalização, relacionada à forma como a obra foi conduzida. Inicialmente, a prefeitura havia prometido intervir rua por rua, em etapas de 90 dias, mas isso não foi cumprido “O que vimos foi o contrário: várias ruas, ao mesmo tempo, interditadas, causando enorme transtorno a lojistas e frequentadores.”
Ela cita ainda falhas de compatibilização com tampas de bueiros e redes de infraestrutura, além da ausência de uma fiscalização rigorosa. “Faltou gestão da obra, alguém que garantisse o cumprimento das etapas com qualidade.”
Conforme o secretário Flores, a instalação da iluminação, das lixeiras e de elementos de sinalização, como fitas reflexivas nos pilaretes que delimitam áreas de circulação, segue em andamento. “A obra vai sendo instalada, mas também ajustada continuamente, à medida que identificamos o que precisa ser melhorado”.
Perda estética e apagamento da memória urbana
Apesar de o novo piso não estar em área tombada, a arquiteta do IAB-RS ressalta que a substituição dos antigos blocos de granito contribui para a descaracterização do espaço. “A escolha técnica pode até ser justificada, mas houve perda da memória e da identidade das ruas. O contraste entre o novo e o antigo é gritante.”
A sinalização por coloração no piso, proposta para distinguir espaços de circulação mista entre pedestres e veículos, como nas ruas dos Andradas e Voluntários da Pátria, também é alvo de críticas, por ser quase imperceptível, o que pode ser perigoso. É possível que a prefeitura tenha de criar novas balizas para garantir a segurança de pedestres.
Falta de participação popular e de especialistas
Bruna Tavares destaca ainda a ausência de participação da comunidade no planejamento da obra. “É fundamental que a população seja informada e ouvida antes da execução. Audiências públicas são importantes para que as pessoas se sintam pertencentes e compreendam a proposta. Isso não aconteceu”, disse ela.
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