O chamado Programa de Reabilitação prevê incentivos para a construção civil e a qualificação de espaços públicos, listando medidas que têm como objetivo mudar a cara do bairro e, como consequência, atrair tanto investimentos quanto moradores.
Mais prazo para debate e maior atenção para a habitação social na região foram temas reivindicados por todos os participantes no evento promovido pelo IAB RS.
A arquiteta Maria Tereza Albano Fortini disse que a questão democrática foi um ponto que chamou atenção, pois o Programa não chegou a ser apresentado para a Região de Planejamento 1 (RP1) onde o Centro Histórico está localizado.
Sobre os prazos, ela afirma que são insuficientes para o trabalho técnico, pois não definem uma estratégia, custos e orçamentos. Para Maria Tereza, o Programa também é inadequado considerando ainda a participação social. Outra consideração feita pela a arquiteta tem a ver com a falta de estrutura de gerenciamento do projeto. “Nos causa estranheza que não tenha gestão para articular o Programa, e que as regulamentações sejam deixadas para depois”, criticou.
Ela ainda ressalta que falta uma visão de prioridades e propostas integradas, repetindo assim, a ideia predominante do lote privado. Maria Tereza acredita que a diversificação tem que estar muito bem pensada, considerando por exemplo as redes de infraestrutura que podem não ser substituídas. Fora isso, ainda existe a preocupação com o interesse social. “Seria uma oportunidade de fazer uma política de habitação com incentivos a reciclagem” sugere. Quanto ao regime, o Programa prevê um aumento de 30% de áreas adensadas. Consultando as tabelas sobre índices e volumetrias, praticamente todos os setores já têm solo criado e transferência de potencial construtivo. “O programa traz desequilíbrio em seu conjunto. Seria de fato um programa, ou seria um plano de embelezamento?” questionou Maria Tereza.
Ela chama atenção ainda para a desconsideração de projetos de grande impacto e a curto prazo, como o Cais Mauá e o Plano de Mobilidade. “O Programa tem um pobre tratamento na questão do transporte público”, observou. Maria Tereza finalizou dizendo que nenhuma menção ao tema da disseminação que garantisse a atividade comercial no andar térreo, além da questão “patrimônio cultural x paisagem” e “adensamento x padrões volumétricos”. Para ela, o plano veio com uma veia marketeira e carece de recursos, visão estratégica e articulação com o PPDUA.
A arquiteta Clarice Oliveira aproveitou o momento para apresentar ao público o Plano Popular da RP1. O projeto desenvolvido pelo IAB RS em 2019 tem papel de assistência técnica de planejamento urbano, promovendo um espaço de debates através de uma metodologia para transformar todo o processo em um documento com saber técnico, que dialogue com o Estado e Prefeitura, ou seja, um instrumento de mediação.
Para Clarice, o Centro Histórico é um lugar com vida e moradores, com uma área residencial importante. “Os prédios nesta região são muito próximos com pouco recuo. Temos prédios baixos que são áreas escuras. E sabemos que quanto maior a verticalização, maior serão as unidades habitacionais mais baixas com carência de boa ventilação, fator tão importante em tempos de pandemia”, lembrou professora do Departamento de Urbanismo da UFRGS.
Sobre os prazos do Programa, ela questionou: Como seria possível ter um plano que siga o rito da participação social com responsabilidade num tempo tão restrito? Clarice Oliveira acredita que a participação online é inevitável, mas não substitui os espaços de debates. “Responder um formulário a partir de uma visão individual, sem sair da sua bolha e das redes sociais prejudica os processos participativos de transformação social de uma cidade, pois a questão não só produzir um documento, mas sim ter reconhecimento das pessoas que precisam exercer seu dever e direito de cidadania”, disse ela. “Um formulário que não prevê um debate, é um ambiente muito limitado, totalmente diferente de ferramentas online mais efetivas que poderiam ser desenvolvidas pela Procergs, por exemplo. “É necessário que se tenha uma responsabilidade com os moradores!”, alertou.
O processo de planejamento também foi tema questionado pela arquiteta. Clarice disse que o Programa chega antes de uma conversa no sentido de “vamos pensar o centro histórico” ou “vamos fazer as leituras técnicas com as leituras comunitárias e partir de aí pensar em propostas”. “Aponto para essa imensa fragilidade, onde as técnicas da prefeitura se vêm envoltas num cenário que não é fácil de conduzir, por causa desse tempo político”, concluiu a arquiteta.
Mais espaço para participação foi a defesa feita pelo advogado social Felisberto Seabra Luisi, que representa no conselho a Região de Planejamento 1, que abrange o Centro de Porto Alegre e bairros no entorno. "Para dar certo e ter sustentabilidade, o Programa tem que ser feito com as pessoas. Especialmente com os moradores, que conhecem o Centro", defende. Felisberto afirmou quando se constrói um projeto coletivo, assumimos compromissos.
As mudanças na região do Centro, segundo ele, precisam acontecer a partir de suas praças, restaurando assim a antiga vida nestes espaços. Felisberto disse que o problema de segurança, por exemplo, é da cidade e não só da região centro.
Sobre a questão da verticalização das edificações, o advogado diz que não é contra, desde que ela não esconda o patrimônio cultural. “Temos tantos prédios abandonados, como o da saudosa Confeitaria Rocco, ou seja, existem infinitas possibilidades de atrações que precisam ser potencializadas”.
Felisberto Luisi encerrou sua fala destacando que o Centro sempre foi um lugar acolhedor e de carácter democrático. “Eu defendo a habitação de interesse social na região, sou advogado de ocupações, pois acredito que é uma forma de resistência aos que não exercem a função social”, disse. “A RP1 não exclui a população!”, exaltou.
Rafael Passos, presidente do IAB RS, criticou o Programa, dizendo que a premissa de que o Centro Histórico é degradado está equivocada. “São apenas algumas áreas e não o seu todo. Isso embasa um discurso fora da realidade”, analisou. Para Passos, a missão do Programa também não foi discutida com a comunidade, pois tem foco apenas no Centro como atrativo turístico. “Isso precisa ser mais bem avaliado. Turismo é a melhor opção para o Centro? Turismo para quem?”, questionou. Mas para ele, existe sim uma possiblidade para um turismo interno. O Museu de Percurso do Negro traria por exemplo uma ancestralidade, onde toda a população negra da capital se identificaria com uma memória a contar.
Outro aspecto destacado por Passos foi o da habitação de interesse social. “É fundamental que a Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária tenha mais protagonismo no Programa, pois agora é o momento de se pensar uma política habitacional para a região”, destacou o presidente do IAB RS.
Para ele, também é preciso pensar se haverá daqui para a frente um esvaziamento de atividades de serviços em edifícios comerciais. “Por que que não destinar estes lugares para a habitação de interesse social? Existe demanda para isso”, analisou Passos, lembrando o caso de Montevidéu, que tem no seu centro histórico (um lugar turístico), diversas áreas com esse foco e que contribuem para a vitalidade da região.
A mobilidade foi abordada pelo presidente do IAB RS como uma questão grave no Centro. “O adensamento agravará ainda mais os problemas de mobilidade. É imprescindível que trate essa pauta de forma estrutural”, alertou. Ele percebe que o Programa vai tratar de ações pontuais, que por sua vez, vão agravar problemas estruturais. Passos observa que nem mesmo para um bom trabalho técnico os 40 dias previstos no Programa serão suficientes, muito menos ainda para um debate público, que para ele é fundamental. “Somos favoráveis que exista um programa, mas não de reabilitação, porque o centro é hábil, ele precisa é de melhorias”, esclareceu.
“Nós vamos cobrar todas essas questões no devido momento”, avisou Rafael Passos. “Temos ideologias, sim temos, mas temos uma técnica!”, encerrou.