No entanto, arquitetos acusam prefeitura de descaso, e MP abre inquérito para saber por que município de Porto Alegre não agiu para recuperar o material. Ao órgão, executivo disse que perda é de 40%, mas site do Escritório de Licenciamento fala em “perda total”. A copresidente do IAB RS, Bruna Tavares, destaca o sucateamento do acervo e o interesse da venda do prédio.
Foto: José Daniel Simões
Importante parte da memória urbanística de Porto Alegre foi considerada condenada pela prefeitura. Trata-se de milhares de pastas e documentos físicos que compõem o arquivo do Escritório de Licenciamento e que ainda estão armazenados no prédio da antiga Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov), no bairro Praia de Belas. O térreo do edifício foi inundado durante a enchente de maio de 2024, comprometendo parte do acervo de construções de Porto Alegre que datam desde 1970.
Pelo menos desde fevereiro, o site do Escritório de Licenciamento informa que o arquivo físico com 50 anos de documentos foi dado como perdido: “Informamos que, por motivo de força maior, em decorrência dos alagamentos provocados pelas chuvas, em maio de 2024, as instalações do Arquivo foram gravemente atingidas, provocando danos irreversíveis na estrutura do prédio e a perda total do acervo físico”.
A partir de uma denúncia, o Ministério Público pediu explicações à prefeitura em quatro oportunidades no ano passado. Foi ignorado. A promotora Annelise Steigleder, então, abriu o inquérito para investigar o caso em dezembro. No primeiro retorno do município após a abertura do inquérito, foi informado que, após uma vistoria no prédio da Smov, cerca de 40% do acervo havia sido inutilizado pelas águas.
A resposta é diferente à que a prefeitura passa aos profissionais que requerem acesso aos expedientes únicos. A eles, a comunicação dá conta que todo o arquivo não digitalizado foi perdido. A Matinal questionou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), pasta à qual o escritório é vinculado, sobre a discrepância dos dados, mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem.
Chamadas de expedientes únicos, as pastas que estão no prédio da Smov armazenam detalhes dos empreendimentos erguidos em Porto Alegre ao longo das últimas cinco décadas. Cada uma delas conta com informações a respeito da tramitação dos documentos das obras, licenças das demandas apresentadas e realizadas desde a fase do projeto até a execução. São os chamados expedientes únicos e servem de base para futuras intervenções nesses locais.
“Esse material é um patrimônio em termos de história da construção da cidade”, definiu Sergio Marques, professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “As informações de cada pasta formam a vida urbanística daquele endereço”, explicou uma arquiteta que trabalha com licenciamentos e pediu para não ser identificada com receio de represálias.
Na opinião de Bruna Tavares, copresidente do departamento gaúcho do Instituto de Arquitetas do Brasil (IAB RS), o esvaziamento paulatino do local escancarou o descuido com o arquivo, que seguiu no prédio mesmo com a saída de secretarias e serviços do espaço. “Havia um descaso com o próprio imóvel, no interesse de uma venda deste prédio”, contextualizou. “Mas certamente tudo o que estava dentro dele já era alvo de um sucateamento para justificar a necessidade da venda.”
A situação piorou com a enchente, que afetou o prédio e o quadro elétrico, interrompendo de vez o trabalho de digitalização. As águas também atingiram os arquivos, armazenados nos dois primeiros pavimentos do imóvel. “Na época da enchente, o pessoal da prefeitura estimou que entre 30% e 40% das pastas haviam sido perdidas”, conta a arquiteta que trabalha com licenciamentos. “Até então, apesar de a prefeitura informar que os processos estavam sendo digitalizados, sabíamos que não era um processo constante, mas, sim, conforme a demanda”, contou ela, que afirma ter a informação que apenas 10% está digitalizado. Hoje, quem passa à frente do prédio da Smov avista centenas de pastas mofadas em prateleiras metálicas que parecem estar ali intactas há quase um ano.
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