Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre
Exmos. Srs. e Sras. Vereadores e Vereadoras Municipais,
Srs. e Sras. da Assistência deste Plenário.
Mais uma vez o Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento Rio Grande do Sul vem a esta Casa manifestar-se em questão de interesse publico, a propósito da votação de emendas à atualização do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental da cidade de Porto Alegre. O IAB-RS manifesta-se abertamente desde este democrático instrumento da tribuna popular, para expressar sua preocupação com o rumo do desenvolvimento da cidade de Porto Alegre desde a promulgação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental – Lei Complementar 434 em 1999.
Não constitui novidade o posicionamento da nossa entidade, que sempre alertou por seus documentos oficiais que o PDDUA, da maneira como foi elaborado poderia constituir um problema ao desenvolvimento de Porto Alegre. Incoerentemente, a Lei Complementar 434/99 que propõe-se um plano diretor “ambiental” e “preservacionista”, “participativo”, na aplicação prática revelou-se um instrumento de renovação urbana acelerada e com mecanismos de controle social extremamente imperfeitos e sujeitos a manipulação desavergonhada e uma discricionariedade injustificada e perigosa.
Em que pese o PDDUA haver antecipado inúmeras conquistas posteriormente incorporadas ao Estatuto da Cidade, e ter assumido pelo menos nominalmente teses há muito tempo defendidas por nossa entidade e diversos movimentos sociais e de profissionais do urbanismo, de ter sido inspirado por democráticos instrumentos de consulta popular como o Congresso da Cidade, sua tradução em texto legal incorporou uma visão reducionista do planejamento urbano sujeita apenas à questão da valoração da terra e seu potencial construtivo. Longe ficou de ser um instrumento de democratização do acesso à terra, à propriedade e resolução da dívida social brasileira. Longe está de ser um instrumento de preservação do privilegiado ambiente e paisagem que Porto Alegre ainda ostenta, das tradições culturais e do modo de vida de nosso povo e da promoção de uma economia solidária e distributiva.
Muito pelo contrário, as proposições do PDDUA que tiveram aplicação direta foram apenas as expressas no plano regulador e flexibilização de projetos especiais do setor privado. Restaram como promessas jamais cumpridas a implantação de todas as demais questões relativas ao monitoramento do desenvolvimento da cidade, um plano acabado e coerente de mobilidade urbana, de proteção de áreas especiais culturais e ambientais, de proteção da paisagem e a continuidade de avaliação do desenvolvimento da aplicação do plano.
Como conseqüência, vemos o patrimônio cultural e ambiental descartado em favor da homogeneização da paisagem em toda a cidade, que perde sua identidade a cada dia. Também vemos catastróficas tendências de expansão da frota automobilística, compelida pela forma incoerente como os problemas de mobilidade são encarados pelo poder público, que incentiva e permite instalação de equipamentos concentradores de atividades, localizados de forma pouco equilibrada e incentivando ao uso do transporte individual.
Muito profunda é a transformação que a cidade sofre com a perda de inestimáveis parcelas de ambiente natural e de sua paisagem, assuntos que raramente são objeto de proteção ou lei, mas que levantam multidões apaixonadas, como recentemente se viu em uma consulta pública. É triste e preocupante vermos a cidade expandir sua área deixando para trás vazios urbanos sem uso e sem desenvolvimento, mas atendidos por infra-estrutura urbana à espera de valorização.
No tocante à economia, a cidade testemunha a indústria da construção civil sofrer com a ocupação do mercado local por empresas de outros estados, conjuntamente com o fechamento do mercado local para as pequenas empresas, o favorecimento dos monopólios e oligopólios e do grande capital. Vemos os monopólios avançarem sobre o comércio da capital expulsando o pequeno empreendedor para os mercados mais inseguros, em desfavor do consumidor e do desenvolvimento harmônico.
Os efeitos do PDDUA em Porto Alegre são sensíveis e suscitaram um inédito movimento popular que nos últimos anos clama por um planejamento urbano mais transparente, contra o uso de meias verdades para justificar medidas com finalidades ocultas. Esses movimentos populares espontâneos têm voz muito mais forte e assídua nesta casa que nossa entidade, para que ousemos interpretá-los. Mas são a manifestação legítima de uma consciência democrática crescente, que representam a maioria silenciosa, como se viu no recente referendo popular acerca de uma emenda ao PDDUA, que motivou milhares de pessoas a dedicarem seu tempo precioso para manifestarem-se sobre uma questão urbana.
No entanto, os mecanismos do PDDUA são falhos em garantir uma representação justa no sistema que tem incumbência de administrar a aplicação do Plano Diretor, e isso gera descrença e desesperança na população, levada a crer que é impedida e desestimulada a apropriar-se dos mecanismos de participação no planejamento e processos de decisão estratégicos. Vemos isso na escolha dos componentes do Conselho do Desenvolvimento Urbano e Ambiental, por exemplo, que está em curso e carece de regulamentação mais democrática.
Senhores, nossa presença nesta tribuna hoje não é para repetir fatos que são de conhecimento de todos, a esta altura do debate legislativo. Estamos em pleno processo de votação das emendas ao Plano Diretor, e o futuro da cidade está sendo decidido. Se há contribuição que o Instituto de Arquitetos do Brasil pode dar nesse momento, em que o objeto da profissão de arquiteto e urbanista é central para o desenvolvimento da cidade, é colocar-se à disposição dos poderes constituídos para colaborar na busca de um futuro menos sombrio. Como entidade representativa que historicamente defende a arquitetura e urbanismo como instrumento de solução de problemas sociais, o IAB-RS não está comprometido com interesses ocultos ou com imediatismo econômico. .
O processo de planejamento nos leva fazer escolhas, que legaremos às gerações futuras. Um legado que vai além da localização de estruturas, atividades ou do comércio de bens. O grande legado do planejamento urbano são os valores que o norteiam, que dizem o que podemos descartar ou eleger, os valores fundamentais que refletem a profundidade do planejador.
Quais serão os valores que herdarão os porto-alegrenses do futuro? Serão eles condenados a não herdarem qualquer laço com sua origem? Serão condenados a não disporem de bens que desfrutamos hoje, como ar, céu, horizontes? Poderão estabelecer com seu espaço existencial uma relação de identidade, sentindo-se seguros ao trafegar em Porto Alegre? Irão dispor de tranqüilidade para planejar sua vida, livres para deslocar-se pela cidade? Terão do que se orgulhar por serem porto-alegrenses?
Preocupa-nos a possibilidade de o PDDUA ser um transmissor de NENHUM valor às futuras gerações. Se Persistir a tendência de atribuir-se à cidade apenas o valor mercantil, poderemos perder a vinculação com nossa cidade. Um objeto reduzido a mercadoria não transmite valor algum, pois subordina qualquer consideração ao lucro. Se a elaboração de um projeto de cidade for dominada por essa visão, teremos não uma cidade, mas uma unidade de produção e consumo, e sem cidade não teremos cidadãos. Sem a cidadania, a civilização se degrada, o homem reduzido a consumidor e produtor degrada sua humanidade. Uma sociedade pouco humana será pouco civilizada. A violência, a incivilidade que vivemos e assombra nossa época não tem outra causa do que a exclusão e a diminuição da condição humana.
Senhores representantes do Legislativo de Porto Alegre, longe estamos de defender posições extremistas e utópicas, de fazer discursos vazios de conseqüência por pregar um outro mundo, embora seja sim, possível. Reconhecemos a realidade do mercado como elemento fundamental a impulsionar o desenvolvimento. O que aqui viemos lembrar é que deve haver critérios na tomada de decisões. A cidade é feita de homens e não de pedras. São as pessoas a finalidade do fenômeno urbano. É a elas que nós arquitetos e urbanistas servimos no exercício de nossa profissão. A cautela quanto às considerações que visam unicamente o atendimento de objetivos corporativistas e imediatistas é uma precaução econômica. Invocamos o testemunho da grande crise internacional, derivada do descontrole e desregulamentação do Capital que arruinou vidas ao redor do mundo. Não queremos que o futuro veja a vida dos porto-alegrenses tornar-se pior e mais cara por conseqüência de nossa omissão.
No ano passado, 2008, o IAB-RS colaborou ativamente com a Câmara Municipal de Porto Alegre na organização da discussão “Porto Alegre do Futuro”. Essa proveitosa parceria é para nos uma vitória, pois coloca a questão do planejamento urbano no centro da cena política. O IAB defende sempre a realização de um planejamento técnico alicerçado na vontade popular, nos valores democráticos e plurais. Defende que o desenvolvimento deve ser para todos, em nosso estatuto esta inscrita lapidarmente a solução dos problemas habitacionais do Brasil.
Em nome dos arquitetos e urbanistas associados do Instituto de Arquitetos do Brasil, muito obrigado.