Receba Newsletter

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

De Brasília a Chandigarh

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin

Corria o mês de março de 1968, quando chegamos em Brasília, eu, o Paulo Mendes da Rocha, Neudson Braga, José Liberal de Castro. O Paulo Magalhães já vivia em Brasília. Era o grupo de trabalho indicado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil para estudar e propor a reabertura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, por solicitação da Reitoria e dos estudantes. É que a FAU-UnB havia sido fechada em 1967, pelos estudantes, como protesto pela má qualidade do ensino, conseqüência dos desmandos administrativos produzidos no Campus da UnB. O Regime Militar (1964-1984) já havia demitido sumariamente, por motivos políticos, 15 professores. Os outros 200 docentes, em represália, pediram demissão. Assim eu vivi Brasília sob o Regime Militar, por oito anos. É mais legítimo, portanto, de minha parte, um depoimento como cidadão brasiliense, além da visão técnica de arquiteto e urbanista. Nesse contexto autoritário consegui entender as contradições entre a ideologia do projeto de Lúcio Costa, uma cidade como templo da democracia, e o seu destino, logo após seu nascimento, transformando-se no tempo do Regime Militar. Percebi, desde logo, a fragilidade das ideologias do desenho, quando pretende determinar o rumo dos acontecimentos sociais, a felicidade ou o infortúnio dos menos favorecidos. O desenho, não obstante, é uma forma de conhecimento. Cabe, portanto, procurar e lutar pelo significado da proposta inicial. E o símbolo da democracia brasileira, configurado na Praça dos Três Poderes, foi mesmo maculado por vinte pesados anos, silenciando a voz e a liberdade da população brasileira. Os ideais do modernismo brasileiro começavam a bater em retirada. O princípio da transparência urbana, representado pelo pilotis e, conjugado com a propriedade municipal do solo, foi igualmente obscurecido. A fluidez do uso do espaço das superquadras, permitindo caminhar-se em linha reta, em qualquer direção, no embalo de uma cena bucólica, fruída principalmente nos fins de semana, em busca do merecido lazer. Esse abraço fraternal com o espaço urbano, de repente, foi quebrado e transformado num pesadelo cotidiano. A repressão ideológica do Regime Militar (1964-1984) cruzava esses caminhos com a mesma facilidade. Era muito mais fácil para a polícia montar suas armadilhas em busca dos perseguidos. A superquadra, o conjunto delas e a própria cidade ficavam, assim, amordaçadas. O zoneamento implacável e rígido, igualmente, facilitava o cumprimento dessas tarefas macabras. No início dos anos 50, quando Chandigarh – Capital do Estado de Punjab – começava a ser construída, e, logo depois, quando Brasília começava a ser pensada, a Carta de Atenas constituía a mais avançada doutrina urbanística. Ela era a nossa bíblia. Porém, bastou o teste político e social do Regime Militar, para que eu começasse a duvidar dela. O sobressalto cotidiano da vida urbana de Brasília nos fazia sentir saudade da mistura mágica do jeito de viver nos lugares da Cidade de São Paulo. Uma vida política quase incógnita e sem pilotis, quase segura. Em 1969, uma vez baixado o Ato Institucional n° 5, e, logo depois, o Decreto 477, instrumentos maiores da repressão, Brasília foi ameaçada de perder o status de Capital brasileira. A Capital voltaria a ser o Rio de Janeiro. Porém, Brasília fincou raízes no Planalto Central para cumprir sua missão histórica – a ocupação do território brasileiro e o caldeamento de seu processo civilizatório. Agora, decorridos 40 anos de sua fundação, as gerações de cidadãos brasilienses, mergulhadas de novo num estado democrático, são capazes de viver e pensar uma nova cidade. O espaço urbano voltou a ser diferente, como anteriormente pensado. Brasília voltou a ser. Ela já constitui um largo acervo de contribuições ao desenvolvimento de nosso país. Inescapavelmente, ela também constitui o mais sólido testemunho de uma vontade modernista.
Vivi oito anos em Brasília, sim, todos eles trilhados por angústias cotidianas de caráter político e cultural. Acho que alguma coisa de mim ficou por lá. Talvez a facilidade de domínio do horizonte de seu sítio, significando uma idéia de futuro.
Com toda essa experiência brasiliense, recentemente visitei a Índia, terra de Mahatma Gandhi e Rabindranah Tagore, as figuras mais ilustres do século e corifeus de sua independência. Lá, ao pé do Himalaya, encontrei a Chandigarh, sonhada por Le Corbusier, para celebrar a independência da Índia do jugo britânico. Uma cidade mais calma do que Brasília, hoje, com 850 mil habitantes.
Nela, as nossas superquadras de Brasília (400 x 400 metros) são chamados Setores (800 x 800 metros) auto-suficientes.
A cidade parece mais flexível, apesar da rigidez de seus regulamentos construtivos. Sua estrutura viária vive mais o ritmo da bicicleta e do riquichá, misturando-se aos automóveis, sem maiores problemas. Interessante é que a zona das residências unifamiliares, ao contrário de Brasília, seguem, religiosamente, o estilo corbusiano, sem aquela parafernália brasiliense do outro lado do Lago, como se fosse uma arquitetura de resistência ao modernismo.
Chandigarh vai muito bem, e, ao contrário de Brasília tem um centro, tem um coração, um ponto de encontro, onde a cidade fervilha, onde o pedestre é o dono do espaço, um espaço ao nível do chão.
Isto Brasília, infelizmente, não tem. Onde era para acontecer, não aconteceu, não passou de um ponto geométrico, marcando o cruzamento dos eixos monumental e residencial. O centro de Brasília pretendeu ser uma plataforma sobre a Estação Rodoviária, sem sucesso. Se Brasília correu o risco de perder o status de Capital, Chandigarh realmente perdeu, em 1966, quando o Estado de Punjab foi dividido em função de razões lingüísticas. O novo Estado, Haryana, tem sua fronteira passando no meio da cidade. Hoje existem dois Parlamentos funcionando no Palácio projetado por Le Corbusier.
A cidade é governada por uma Junta Administrativa, representando os dois Estados. Apesar de tudo Chandigarh vai bem. É o caso de Brasília.
Como se vê, a Carta de Atenas esteve sempre ameaçada, porém, materializada por cidades, hoje, preservadas como Patrimônio da Humanidade.
Arq. Miguel Pereira

IAB - RS

Por: Diretoria Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB

Outras Notícias

Desafios do planejamento urbano e gestão em Porto Alegre foram temas de debate no IAB RS

A relação envolvendo o setor imobiliário e a administração pública na Capital, bem como os desdobramentos da revisão do Plano Diretor e as eleições para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), foram alguns dos tópicos abordados no debate “Planejamento Urbano e Gestão: desafios atuais e perspectivas futuras para Porto Alegre”, que ocorreu no dia 28 de março na sede do IAB RS, em Porto Alegre.

Leia Mais →

Arquiteta Enilda Ribeiro é homenageada em evento do IAB RS

Para comemorar os 76 anos do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Rio Grande do Sul (IAB RS), a entidade planejou uma série com três eventos especiais para debater a profissão, relembrar a história e preservar memórias. Na primeira atividade, a palestra “Acervos em arquitetura e urbanismo – homenagem a Enilda Ribeiro” promoveu o encontro entre o professor da FAUUSP e coordenador da biblioteca da FAUUSP, Eduardo Costa; o membro do conselho consultivo do Centro de Memória CAU/RS, José Daniel Simões; e a copresidente do IAB RS e responsável pelo projeto documental, Bruna Tavares. 

Leia Mais →

IAB RS participa do painel RS Seguro COMunidade no South Summit

A copresidente Clarice Oliveira falou sobre a importância dos Concursos Públicos de Projeto e dos processos participativos que o IAB RS vem implantando junto ao governo do Estado. Durante sua fala, destacou que “o IAB RS desenvolve concursos de projeto urbanístico integrai que tem como um pilar muito importante a participação da comunidade no processo inicial de elaboração do programa de necessidades, que vai constituir as bases do concurso público de projetos”.

Leia Mais →

Outras Notícias

Arquiteta Enilda Ribeiro é destaque na coluna Almanaque, da Zero Hora

Enilda foi uma das primeiras mulheres a ser diplomada no curso específico em Arquitetura no Rio Grande do Sul. Além e ter lutado pela criação do curso superior de graduação na URFGS, foi presidente do IAB/RS entre 1980 e 1981. “Eu gostaria muito de ter conversado, em algum momento, com ela sobre os desafios que foram enfrentados, tanto no IAB-RS quanto em nível nacional, onde ela articulou a construção de ideias e diretrizes para a formação de um conselho próprio de arquitetura e urbanismo”, declarou a co-presidente do IAB/RS, Bruna Tavares.

Leia Mais →

Na mídia: “Depois de construído, é difícil reverter”: o que dizem especialistas sobre mudanças na fachada do Pontal Shopping

Especialistas em urbanismo avaliam que a readequação da fachada da loja Leroy Merlin, no Pontal Shopping, na zonal sul de Porto Alegre, traz pequenas melhorias no visual e no microclima, mas não resolve o problema de sua construção ter se tornado uma barreira à contemplação e à conexão da Avenida Padre Cacique com a orla do Guaíba. Em entrevista ao jornal Zero Hora, a co-presidente do IAB-RS, Clarice Oliveira, ressalta que “Uma parede verde de plantas naturais é positiva porque vai diminuir o calor naquele microclima, com menos concreto. Vai ficar mais agradável, mas continuará sendo um paredão sem interface com o outro lado. Não vai deixar de ser uma barreira”.

Leia Mais →

NOTA PÚBLICA SOBRE OS PROCESSOS DE IMPUGNAÇÃO NAS ELEIÇÕS PARA O CMDUA.

O IAB-RS expressa preocupação em relação à ausência de registro dos pedidos de impugnação apresentados pelo instituto no âmbito do processo eleitoral das entidades de classe ligadas ao planejamento urbano no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA). Conforme o cronograma estabelecido no edital 006/2023, utilizando os critérios estipulados no item 2.11 do referido edital, foi emitido um documento elencando 23 entidades que não demonstram caráter de atividades relacionadas ao planejamento urbano. Isso ocorreu após análise apropriada e indicação da regularidade dessas entidades para participação nas eleições do CMDUA.

Leia Mais →

Arquitetos vencedores do concurso de requalificação do Lago Joaquina apresentam projeto

Na tarde desta quarta-feira (10), os arquitetos e urbanistas do escritório OCRE, vencedores do Concurso Público Nacional de Arquitetura da Paisagem para Requalificação do entorno do Lago Joaquina Rita Bier, receberam a premiação de R$50 mil, assinaram o contrato de realização do projeto executivo e apresentaram a proposta vencedora para membros da Administração Municipal e comunidade.

Leia Mais →