Incrível é o que não é crível. É o que não se pode acreditar. Pois continua ocorrendo na Arquitetura. Sim, na Arquitetura aqui no Brasil. Contrata-se Arquitetura pelo preço. E, ainda mais incrível, contrata-se pelo menor preço. É este o preço que se atribui à Arquitetura? Aliás, a Arquitetura nem é contemplada na Lei Federal das Licitações, de número 8.666/93. Não existe nenhuma referência ou citação à palavra Arquitetura. É subentendida na interpretação de serviços, de planejamento, de projeto, mas Arquitetura mesmo não existe. É sintoma do estágio cultural, científico e tecnológico do Brasil. Uma Lei Federal que desconsidera, que ignora, que se omite, que exclui. Serviços são incluídos na área de segurança, de limpeza, de comércio, de negócios, de produtos à venda no mercado. No mercado os serviços são conceituados na área de produtos de limpeza, de vassouras, de detergentes, de produtos alimentícios. A Lei das Licitações estabelece as normas para a aquisição de empreendimentos, de obras, de aluguéis, de produtos e serviços para a Administração Pública. Exige para os serviços a proposta técnica e de preço. Pois, o que se tem constatado, generalizadamente, na Administração Pública Brasileira é a contratação de serviços de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo, através de Editais que divulgam, publicam e anunciam a intenção da Autoridade de licitar pelo serviço técnico e pelo preço. Mas o que tem acontecido é que os Editais estabelecem o entendimento de que o objeto do serviço a ser contratado é algo difuso, não muito claro e, portanto, deve ser pelo menor preço. O que interessa é o preço da vassoura, das ferramentas, dos baldes, das canetas e da hora técnica, do tempo, da área, da metragem quadrada, do volume, do número de pranchas, do número de pessoas envolvidas. Para os empreendimentos de Arquitetura têm-se a nítida impressão de que os parâmetros interessam mais do que o objeto do serviço a ser contratado, da obra a ser executada. O que surpreende é a inconsistência conceitual e a compreensão sobre o significado da Arquitetura. Está-se contratando metros quadrados, dos metros cúbicos. Dependendo do valor estabelecido pela Lei Federal, a Autoridade está contratando através de Concorrência Pública ou por Carta Convite, praticamente sempre, pelo menor preço. Ainda nem se definiu o caráter da obra, ainda não se conceituou o programa de necessidades e já se estabeleceu o orçamento, aprovado pelos Poderes Legislativos. Como o valor já está orçado e estabelecido em Lei, a Autoridade Pública licita o empreendimento pelo menor preço. Mas o que está sendo contratado? Sim, o que está sendo licitado é um edifício para teatro, biblioteca, centro comunitário, escola, tribunal, hospital, centro cultural, conjunto habitacional, é uma área para praça, para parque, é uma avenida, um viaduto, uma estação de metrô. Este é o constrangimento que a todos expõe e preocupa. Quanto mais à Administração Pública, que responde pelo interesse da sociedade, dos cidadãos que arcam com os recursos para a realização dos empreendimentos de interesse social e humano, de interesse cultural, científico e tecnológico. Este tem sido o enigma sobre a contratação de empreendimentos de Arquitetura. A questão deixa a todos estupefatos. A todos que têm noção do que é Arquitetura. Não se contrata Arquitetura pelo menor preço. Primeiro se contrata o Concurso Público do Projeto de Arquitetura, como estabelece a Lei Federal das Licitações, embora como livre opção. Tendo o Projeto de Arquitetura é que se contrata a Obra de Arquitetura. Exemplos desta natureza são os Concursos Públicos realizados para o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e para a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Outros muitos são paradigmas exemplares, dentre tantos, como o Concurso Público para o Plano Piloto de Brasília, para a Ponte JK no Lago Sul de Brasília, a recente realização do Concurso Público para o The World Trate Center de Nova Iorque, para o Centro Cultural George Pompidou de Paris, para o Parlamento Alemão de Berlim, para o Cais do Porto de Porto Alegre e do Porto da Cidade de Rio Grande, do Anexo do Theatro São Pedro, do Teatro da OSPA, que seria edificado junto ao Cais do Porto de Porto Alegre, sem com isto pretender qualquer termo de comparação. O objeto a ser contratado é uma Obra de Arquitetura, que é definido previamente pelo Projeto de Arquitetura e não por um certo valor estabelecido pela Lei do Orçamento, uma certa metragem linear, uma determinada metragem quadrada, um volume espacial, um número de horas técnicas, uma certa quantidade de materiais. Edifício Público deve ser licitado através de prévio Concurso Público de Idéias ou de Ante Projeto de Arquitetura. É o que defende o IAB, que estabeleceu no seu Estatuto: “Concorrer para a boa organização, o prestígio e a divulgação dos Concursos de Arquitetura dentro das normas estabelecidas pelo IAB, bem como propugnar para que os Poderes Públicos, órgãos paraestatais e outras entidades culturais ou técnicas se utilizem de Concursos Públicos como procedimento democrático para a contratação de projetos.” É incrível que a Administração Pública não tenha ainda se convencido de alterar a Lei Federal das Licitações, estabelecendo a conceituação da Arquitetura e a obrigatoriedade da contratação de projetos por meio de Concursos Públicos. A Lei francesa das licitações estabelece um determinado valor, a partir do qual é obrigatório o Concurso Público para Projetos de Arquitetura e abaixo deste valor é opcional. Jamais deve ser contratado o empreendimento público de Arquitetura pelo menor preço, sem que tenha sido definido, previamente, por Concurso Público o Projeto de Arquitetura.
Arq. José Albano Volkmer
Presidente IAB-RS :: gestão 2002/2003